Com o avanço das deliberações parlamentares sobre a reforma tributária, o novo modelo de tributação do consumo já assume mais clara fisionomia, ao menos naquilo que se pode considerar os seus eixos fundamentais. São sólidas as convergências em torno da criação de um ou dois tributos sob o figurino de imposto sobre valor agregado (IVA), com base de incidência ampla e regidos pelo princípio do destino.
Cogita-se, ainda, a instituição de um imposto seletivo, vocacionado a onerar bens e serviços com externalidades negativas, cujo consumo se pretenda inibir (bebidas alcoólicas, fumos etc.). Doutra parte, é projetada a extinção de cinco tributos, a saber, PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, todos dotados de regras demasiado complexas e que há muito carecem de revisão.
Os sistemas tributários mais desenvolvidos do mundo têm ancorada a tributação do consumo sobre o chamado IVA, modelo já adotado por 170 países. Em linhas gerais, trata-se de um imposto plurifásico e não cumulativo, que incide sobre as margens de valor agregado aos bens e serviços em cada etapa da cadeia de produção e circulação, mediante garantia de um amplo direito de creditamento.
Nos moldes do IVA, admite-se a tomada de créditos em relação a todas as aquisições vinculadas à atividade econômica da empresa, inclusive de bens intangíveis, independentemente da sua incorporação aos produtos comercializados. Além de uma menor suscetibilidade a fraudes, a experiência internacional tem revelado como vantagens do IVA a simplificação, a transparência, a eficiência e a distribuição isonômica da carga tributária entre os setores econômicos.
Embora já definido o formato do novo tributo, subsiste no debate nacional o dilema entre a instituição de um IVA único e a criação de um IVA dual: no primeiro caso, seria instituído um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) nacional, de competência compartilhada entre União, estados e municípios; no segundo, coexistiriam dois tributos, uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e um IBS subnacional, com cobrança e arrecadação repartidas entre estados e municípios.
Sem embargo de persistir a dúvida, as deliberações recentes têm sinalizado a prevalência do IVA dual, modelo mais apto a equacionar as tensões federativas manifestadas no contexto da reforma tributária.
Também exprime característica intrínseca ao IVA a reunião de bens e serviços numa base ampla de incidência. A anacrônica segmentação de bens e serviços em bases tributáveis autônomas multiplica dissensos acerca da natureza dos produtos, os quais, a depender de sua classificação, sujeitam-se à exação de diferentes impostos, ensejando conflitos verticais de competência entre os entes federados.
Não é casual, nesse sentido, que as propostas em curso convirjam para o delineamento de uma base de incidência alargada, que compreenderá bens materiais e imateriais e prestações de serviços. Sob o ângulo do contribuinte, cuida-se de providência importante para assegurar largas margens de segurança jurídica: sendo única a base tributável, não remanescerá divergência acerca do imposto incidente e da sujeição ativa a ele correspondente.
Outra inovação pretendida nas propostas descobre-se na consagração do princípio do destino, sob cuja égide o imposto incidente em operações interestaduais e intermunicipais caberá ao estado e ao município onde se situa o destinatário do bem ou serviço. Com a adoção do critério do destino, busca-se suplantar a causa motora da guerra fiscal, ao passo que a localização do fornecedor não mais condicionará a sujeição ativa do imposto, atenuando práticas concorrenciais agressivas entre os entes federativos.
Malgrado a tributação no destino constitua princípio elementar do IVA, a sua incorporação não deixa de suscitar preocupações, visto se tratar de modelo que privilegia os grandes centros consumidores, circunstância que pode acentuar desigualdades regionais se a positivação desse critério não se fizer acompanhar de medidas de compensação.
Posto nesses eixos, o novo modelo representa um avanço no mister de modernizar o sistema tributário brasileiro, que se sintonizará às mais exitosas práticas internacionais no âmbito da tributação do consumo. Os desafios, todavia, são inúmeros. Por mais consolidadas que se afigurem nas experiências de outros países, as fórmulas de estruturação fiscal de um Estado (lato sensu) nunca se revelam passíveis de instantânea replicação noutras configurações institucionais, socioeconômicas e geográficas.
É preciso um esmerado labor para adaptá-las às complexidades de um país de dimensões continentais como o Brasil, sob pena de o homérico esforço de realização de uma reforma tributária degringolar em desequilíbrios ainda maiores do que aqueles que se pretende combater.
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