Historicamente, novas constituições surgem para colocar fim a processos revolucionários ou depois de processos belicosos que desarranjam estruturas e regimes políticos estabelecidos. O momento constituinte de 1988, todavia, foi peculiar e não ocorreu por essas razões, pois não foi fruto de uma ruptura política propriamente.
Com a fadiga do regime militar e seu encerramento em 1985, buscou-se, ainda no governo José Sarney, uma forma de transição pacífica e negociada para o regime democrático. Esse caminho foi a Constituinte como forma de recomposição dos “reais fatores de poder” presentes naquele contexto histórico.
A Constituinte de 1987/88 foi marcada, sem dúvida, por ampla participação da sociedade organizada, que por intermédio das emendas populares, conseguiu impor uma gama de direitos de cidadania.
O Congresso constituinte eleito, composto por forças conservadoras e progressistas, construiu um texto ideologicamente contraditório, muitas vezes ambíguo e ingênuo. Lá se vão 35 anos que nos separam daquela época. O tempo é outro; tempo dos algoritmos, da “inteligência artificial”, do capitalismo de plataforma etc.
Apesar da mudança de época em que estamos vivendo e das 128 emendas regulares, o texto de 1988 mantém o constitucionalmente essencial: organização do Estado, separação dos poderes e a declaração de direitos fundamentais.
Nessas três décadas e meia, o texto de 88 foi objeto de batalhas no campo semântico, em que vários segmentos da sociedade, buscaram no STF (guardião da Constituição) imprimir interpretações e reinterpretações que viessem acolher novos e velhos valores e interesses. O STF passou a figurar como o grande protagonista político dos últimos anos.
A judicialização da política e a politização do judiciário foi o mote dos últimos 20 anos. Com avanços e retrocessos, o texto de 88 foi colocado à prova de fogo com as tentativas golpistas que culminaram com o infame dia 8 de janeiro deste ano.
A nossa Constituição cidadã resistiu, e seguramente saiu destes ataques todos fortalecida. As instituições democráticas souberam responder aos ataques, recolocando o exercício do poder nos trilhos da legitimidade.
O projeto de transformação das nossas estruturas sociais, que emana das suas normas, manteve-se íntegro e à espera da potência do seu verdadeiro povo em realizá-lo por completo. Mas, para isso, conforme sugere Konrad Hesse em seu livro “A força normativa da Constituição”, faz-se necessário a vontade de Constituição. Celebremos!
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