Nas últimas semanas, entre uma infernal quantidade de opiniões de “especialistas” e vídeos de empresários e políticos sobre o coronavírus, também tenho recebido uma grande quantidade de bons artigos científicos sobre o assunto. O Covid-19, como foi batizado esse vírus da família dos coronavírus, é o responsável por uma pandemia capaz de ceifar muitas vidas e levar ao caos os sistemas de saúde, a economia e a sanidade.
O vírus foi sequenciado e a sua estrutura descrita em meados de janeiro, o que permitiu avanços significativos no entendimento da doença, como a realização de testes diagnósticos por RT-PCR, além de possíveis alvos terapêuticos e o desenvolvimento de vacinas.
Enquanto isso, estudos epidemiológicos eram realizados em Wuhan, na China, epicentro da doença até então, em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Os dados iniciais, apesar de imprecisos, já nos indicavam que se tratava de um vírus com alto potencial de disseminação, causador de quadros graves pulmonares principalmente, mas não apenas, em populações de risco (idosos e portadores de doenças crônicas) e de difícil erradicação do ambiente. Lavar as mãos, evitar contato, usar álcool gel, aprender a tossir, parecem ser medidas óbvias.
O vírus se disseminava nas ruas, em casa e, em especial, entre os médicos, enfermeiros, e quem mais lidasse com os pacientes internados. Sabemos que o vírus acomete vias aéreas superiores e inferiores causando uma lesão pulmonar similar a de outros coronavírus, como o da SARS e da MERS. A inflamação e a tempestade de citocinas nos alvéolos pulmonares leva a um quadro conhecido como “síndrome da angústia respiratória”. O vírus se liga a determinados receptores para entrar nas células e agredir os tecidos. Isso tudo está sendo útil na busca de um tratamento eficaz.
Como a higienizar itens do dia a dia e evitar a transmissão de vírus
Descobrimos também que a nasofaringe e as células da cavidade nasal são grandes centros replicador do vírus e que aqueles médicos que realizam procedimentos próximos dessa região recebem uma grande carga viral e adoecem, muitas vezes gravemente. É por esse motivo também que a perda do olfato parece ser um sinal precoce na doença e pode ser utilizado para auxiliar o diagnóstico clínico. Estamos aprendendo a nos defender com uso racional dos equipamentos de proteção individual e limpeza do ambiente.
À medida que a doença avançava e solapava o sistema de saúde chinês, não restavam alternativas a não ser a contenção e a quarentena forçada em Wuhan. O confinamento e o isolamento de uma região inteira do país foi dada como exagerada por muitos. Naquele momento, outros poucos países ainda aprendiam como combater a expansão da doença.
Vendo de perto o que ocorria na China, Coreia e Japão tiveram que lidar com casos desde o início do problema, em meados de janeiro. Um navio de cruzeiro atracou no Japão e os casos começaram a aparecer. Aprenderam rápido que testes dos casos suspeitos, vigilância ativa dos contatos, isolamento dos casos positivos, distanciamento social e medidas de controle de circulação de pessoas e viajantes seria fundamental para se evitar o pico de doentes da tão badalada curva epidêmica.
“Vamos achatar a curva!”, dizia a Organização Mundial de Saúde (OMS). E ainda “testem os doentes, testem quem tiver contato, testem quem puderem testar e se esforcem para conter o vírus logo nesses primeiros casos”. O Ocidente demorou a acreditar que essas recomendações não eram alarde. Até que a Itália nos mostrou que a negligência tem seu preço. Agora, o Covid-19 já toma grande parte do continente europeu e o confinamento vem sendo adotado por vários países, outros tomaram medidas mais brandas de quarentena, mas grande vigilância dos casos.
Mais recentemente, o vírus desembarcou nas Américas. Estados Unidos, Brasil, Canadá e demais países observam atentamente o que se desenrola na Europa e tomam suas medidas. Alguns, com mais recursos, testam muito. Assim, descobrimos que um grande número de assintomáticos está infectado. Descobrimos, ainda, que os assintomáticos são potencialmente grandes responsáveis pela disseminação da doença.
É bem provável que a taxa de letalidade seja, de fato, muito menor do que a inicial. Porém, o que interessa agora é a quantidade de doentes hospitalizados em pouco tempo. No colapso do sistema de saúde não morrem apenas os doentes graves por Covid-19, mas também por outras doenças: dengue hemorrágica, câncer, infarto, pneumonia, meningite, bronquiolite, entre outras.
Estamos estudando tratamentos para diminuir a mortalidade e o tempo de internação, permitindo que a rotatividade nos leitos aumente e possamos atender a todos. Uma vacina eficaz ainda está longe no horizonte.
Os esforços para mitigar o crescimento exponencial variam entre países. Cada um tem suas características demográficas, capacidade de atendimento, vigilância em saúde, recursos, força econômica. Não existe receita de bolo. O que existe é o comprometimento de todos para que as medidas essenciais sejam tomadas a tempo.
A histeria não ajuda. O heroísmo estúpido também não. As distensões entre os “confinamentistas” e os que estimulam uma menor restrição só atrapalham. Precisamos de inteligência para atuar de forma a preservar o nosso combalido sistema de saúde e, ao mesmo tempo, não deixar que o colapso econômico prejudique os mais necessitados. Esforcemo-nos para que a ciência e a sensatez prevaleçam. Coragem! Venceremos.
* O autor é médico patologista e professor de Medicina da Ufes
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