Vivemos um momento de tensão e crise mundial diante da decretação de pandemia do novo coronavírus (Covid-19) pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Fechamento de fronteiras, esgotamento de produtos básicos, inexistência de leitos hospitalares para atender um grande número de pessoas diagnosticadas com a doença e crise na economia mundial são um dos efeitos facilmente evidenciados e noticiados pela grande mídia.
Em momentos de tanta incerteza, a única afirmação crível é que estamos vivendo uma situação sem precedentes em nossa era, muitas vezes acentuada pelo maior acesso à tecnologia e ao compartilhamento de informações em escala mundial. Em meio a tudo isso, idosos são caracterizados como um grupo de risco ao adquirir a doença, passando a demandar uma resposta médica efetiva para evitar situações de letalidade.
Contudo, notícia recentemente divulgada pela grande mídia após matéria publicada pelo jornal britânico The Telegraph informava que a Itália, país que sofre com altíssimos índices de diagnósticos de Covid-19, poderia negar atendimento intensivo a idosos com mais de 80 anos de idade. Mesmo que a diretriz italiana abordasse um cenário hipotético, a notícia causou consternação.
Não é novidade que os leitos hospitalares são escassos, principalmente em um quadro de pandemia. Em muitos casos, os profissionais da área de saúde precisam fazer a escolha de quem irá ser atendido primeiro, em detrimento do outro. A isso a literatura chama de mistanásia, palavra que deriva do grego mis, miserável; e thanatos, morte, e refere-se à morte infeliz, prematura, abandonada, fora e/ou antes do seu tempo.
De fato, consiste em uma das piores modalidades do processo que envolve a morte, já que ocorre por abandono, descaso e desamparo. Seria, em última análise, uma negação da cidadania à pessoa e não se fundamenta no direito à morte digna, esta sim tão privilegiada no atual cenário.
Negar atendimento hospitalar a qualquer pessoa apenas em razão da sua idade (ser maior de 80 anos) abala seriamente uma série de direitos fundamentais inerentes ao ser humano, como o direito à vida, além de ser desproporcional e violar o princípio maior da dignidade da pessoa humana.
Se os idosos estão especialmente incluídos no grupo de risco (inclusive com maiores índices de letalidade), não encontra qualquer proporcionalidade a negativa de atendimento para esse segmento social apenas com fundamento na idade. Afinal, são eles que, ao menos em tese, mais precisam de atendimento hospitalar e o pensamento de que “em breve vai morrer” é preconceituoso e foge à toda evolução nos direitos humanos dos idosos.
Portanto, o fato de já terem mais idade não significa que terão uma vida com menos dignidade. Muito pelo contrário. Assim sendo, eventual mistanásia não pode se fundar em categoria de pessoas ainda mais vulneráveis em um cenário de pandemia mundial. Caso seja necessário, que se baseie em critérios de emergência médica e não acentuando ainda mais vulnerabilidades de segmentos sociais específicos.
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A autora é advogada, especialista em Direito das Famílias e Sucessões, Infância e Idoso
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