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É professora de Direito e advogada

Curva da Jurema: só não enxerga o preconceito quem não quer

Com o surgimento de novas opções nos quiosques, o local passou pelo o que muitos chamam de gentrificação, elitização ou até “gourmetização” da praia

  • Ligia Kunzendorff Mafra É professora de Direito e advogada
Publicado em 23/01/2023 às 15h55

Urbanização, novas concessões, melhores restaurantes. É inegável que a melhoria da qualidade dos serviços beneficia o local e a comunidade como um todo, quando essa melhoria não é excludente. A Curva da Jurema atrai cada vez mais pessoas – um público que não frequentava o local havia décadas, diga-se de passagem, pela quantidade de pessoas que saía dos ônibus aos fins de semana.

É preciso que se diga da forma mais clara possível: a classe média não frequentava o local porque não queria se misturar com pobre. Com o surgimento de novas opções nos quiosques, o local passou pelo o que muitos chamam de gentrificação, elitização ou até “gourmetização” da praia.

Obviamente, a praia é espaço público. Obviamente, a lei não permite que se privatize a faixa de areia. Seria um ambiente de paz e de convivência pacífica se justamente a maior parte das pessoas que ali frequentam não fossem, pouco a pouco, expulsas.

Os quiosques mais badalados contam com segurança privada - o que por si só não é um erro, uma vez que se limite a proteção do patrimônio. O inimigo de quem deve se proteger? O ambulante, o pobre, o preto e o morador de rua. Mas não se enganem, não é para que essas pessoas não entrem nos estabelecimentos, é para que nem sequer sejam vistas pelos grupos de amigos que tomam champanhe e fumam charutos ao som de música eletrônica.

Curva da Jurema
Praia da Curva da Jurema, Vitória. Crédito: Carlos Alberto Silva

Há abordagens porque o morador de rua está próximo, porque está olhando para as pessoas de dentro. Acreditem. Eu já presenciei isso.

A filosofia já tentou explicar como estado de exceção permanente. A psicologia como síndrome dos pequenos poderes. Seja qual for a explicação mais adequada, o fato é que o segurança, quando questionado sobre a razão de estar expulsando uma pessoa de um espaço público, logo pergunta: “Quem é você cidadã(o)?”. É isso mesmo: o país da carteirada. E tudo isso contando com a cegueira seletiva, conivência e apoio do poder público (o infame decreto dos ambulantes escancara essa realidade).

A quem interessa que isso aconteça? Certamente não ao público que já frequentava a praia e que ocupa cada vez menos espaço no local.

Obviamente não se está defendendo que os bons serviços e a evidente melhoria no local sejam revertidos, mas que a classe média (que se acha elite, apesar de estar muito mais próxima do pobre do que do rico) de fato conviva com as pessoas que ali já estavam, com os ambulantes, com os moradores de rua, com as muitas crianças das famílias que curtem o dia na praia. Essa convivência se chama democracia. E, aparentemente, ela incomoda.

Só existem duas opções para quem acha tudo vai muito bem e que não existe conflito nenhum: ou são altamente alienados da realidade, ou são altamente coniventes com ela. Nenhuma das duas opções me parece boa.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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