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É enfermeira, advogada, mestranda PPGENF- Ufes

De heroínas a vilãs: o caso do piso nacional da enfermagem

Algo que deveria ser celebrado encontra resistência no setor empresarial, que reage ameaçando fechar leitos, aumentar valores dos planos, demitir em massa os trabalhadores de carteira assinada e substituí-los por “cooperativas” e “pessoas jurídicas”

  • Andressa Barcellos É enfermeira, advogada, mestranda PPGENF- Ufes
Publicado em 02/09/2022 às 15h25

Desde 4 de agosto, com a sanção presidencial da Lei nº14.434/2022 que fixou o piso salarial nacional da enfermagem, de autoria do senador Fabiano Contarato, abriu-se a possibilidade de correção de uma injustiça econômica e social histórica a qual a Enfermagem está submetida.

Quem imaginaria que uma conquista, fruto de tanta luta e mobilização dos trabalhadores da enfermagem durante décadas em Brasília, no Executivo, no Legislativo e nas redes sociais, seria alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal proposta pelos empresários?

A tentativa de impedir a efetivação da lei, além de tirar o sono dos afetados, provoca dor, descrença e sentimento de frustração e desânimo com a profissão.

Com a publicação da lei, logo tivemos notícias de demissões em massa e estratégias mirabolantes, por parte dos empresários da saúde, para dar seguimento à perene precarização do trabalho da enfermagem no Brasil.

A valorização e o reconhecimento social da enfermagem, alcançados no curso da maior pandemia mundial, em razão de tudo o que fizeram e fazem a serviço dos interesses do Estado e da sociedade, continuam sendo negados.

No Brasil, a enfermagem já nasceu vulnerabilizada pela divisão social do trabalho. Enfermeiras, técnicas, auxiliares de enfermagem e parteiras, em sua grande maioria mulheres, negras, pardas, periféricas e invisíveis, escolheram cuidar da saúde dos cidadãos.

Muito antes da criação do SUS, a enfermagem alimenta e retroalimenta políticas públicas e os  sistemas de saúde público e privado.

Não há como garantir o direito pleno à saúde reduzindo o número de trabalhadores de enfermagem. Serviços de saúde não funcionam sem a equipe de enfermagem!

A enfermagem, ciência do cuidar, tem legislação própria, teorias, princípios e fundamentos que norteiam a relação da profissão com o cuidado em saúde, em todos os ciclos de vida, observando os determinantes sociais e o processo saúde/doença, bem como as necessidades individuais, familiares e coletivas.

O estabelecimento do piso salarial da enfermagem, algo que deveria ser celebrado por todos, encontra resistência no setor empresarial que reage ameaçando fechar leitos, aumentar valores dos planos de saúde, demitir em massa os trabalhadores de carteira assinada e sua substituição por “cooperativas” e “pessoas jurídicas” para escamotear direitos trabalhistas, em mais uma fraude no velho jeitinho à brasileira.

Violam a lei precarizando ainda mais as relações de trabalho de uma categoria que sempre foi explorada, ao mesmo tempo em que enriquecem à custa do adoecimento dos profissionais de enfermagem, perpetrando a lógica perversa do capitalismo.

Quantos óbitos e iatrogenias a enfermagem evita todos os dias por meio de suas intervenções, cuidados diretos e contínuos nos serviços de saúde?

Reduzir e flexibilizar o dimensionamento dos trabalhadores da enfermagem em razão do piso salarial é negligenciar a segurança e a vida enquanto valores sociais.

A enfermagem não pode ser a vilã, na correlação de forças entre capital e trabalho.

O mundo precisa de fato reconhecer e valorizar a relevância social desses profissionais, garantindo-lhes o piso salarial, uma jornada de trabalho regulamentada e respeitando seus direitos e dignidade.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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