Desde pelo menos a década de 1960 o campo científico tem se questionado acerca de certos paradigmas que norteiam a produção da ciência, em geral condicionada por dualismos, tais como a oposição entre natureza e cultura, o ser humano e os demais seres vivos, meio ambiente e sociedade. Cientistas das humanidades e também das ciências naturais têm feito seus esforços em busca de romper essas contraposições, já não tão úteis para a compreensão de certos fenômenos naturais e sociais.
Os estudos decoloniais, por exemplo, desafiam a lógica da colonialidade e questionam tais pressupostos eurocêntricos, considerando outros territórios como fontes de saber, de criatividade, de inovação, para além da Europa e dos Estados Unidos. O Sul Global – que basicamente representa países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, em geral localizados no Hemisfério Sul, na África, na América do Sul e na Ásia – é o celeiro dessa produção científica marcada pelas experiências dos que viveram e ainda vivem sob o domínio colonial e a exploração de seus territórios pelos países dominantes.
A perspectiva decolonial se diferencia pelo modo como considera os atravessamentos das questões raciais, de gênero e ambientais na produção do conhecimento, destacando a relação entre dominantes e dominados nos processos históricos.
Para o semiólogo argentino Walter Mignolo, a colonialidade do poder diz respeito a um controle da economia, da autoridade, da natureza e dos recursos naturais, do gênero e da sexualidade, e da subjetividade e do conhecimento. É necessário, portanto, romper com essa lógica e com essa rede de crenças. Nesse ponto, chamo a atenção para o fato de que a oposição entre ser humano e outros seres vivos e entre cultura e natureza tem sido danosa para o bem-estar do mundo, autorizando a exploração desvairada do meio ambiente e de praticamente todas as formas de vida.
O engenheiro ambiental e pesquisador nascido na Martinica, Malcom Ferdinand, em seu livro "Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho", defende que existe uma dupla fratura da modernidade – colonial e ambiental – que separa a história colonial da história ambiental do mundo.
Como consequência, ocorre uma espécie de hierarquização dos ecossistemas, dos animais e até mesmo dos indivíduos, causando toda sorte de injustiças ambientais, sociais e de gênero. Como forma de reverter esse processo marcado pela exploração e expropriação desmedidas dos territórios – que tem início nos finais do século XV com a colonização das Américas – Ferdinand defende a articulação dos movimentos ambientais e ecologistas com os movimentos pós-coloniais e antirracistas.
Em tempos de crise climática e de forte insegurança com relação ao futuro do planeta Terra, já passou da hora de nós latino-americanas superarmos a colonialidade do poder apostando em novos saberes e sensibilidades – teóricas e práticas – e estratégias genuínas de cuidado com o meio ambiente em sua totalidade e com os seres vivos, sem distinções.
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