Deficiência não é só aquilo que você vê. As deficiências ocultas, como o próprio nome já diz, são aquelas que não são visíveis em um breve olhar ou julgamento do outro. E elas são de diversas ordens, sejam neurológicas, cognitivas, do neurodesenvolvimento, físicas, auditivas ou visuais.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), principalmente o nível 1 de suporte, talvez seja a deficiência oculta em maior evidência, havendo uma chance enorme de você conviver com alguém que tenha essa ou outra deficiência oculta, isso se você mesmo não a tiver.
Afinal, o órgão de saúde norte-americano Centers for Disease Control and Prevention (CDC) apontou, no ano de 2020, uma estatística de 1 caso de TEA a cada 36 crianças, muito por conta da evolução dos diagnósticos e da informação sobre as características do espectro.
A Lei nº 12.764/2012 considerou as pessoas com TEA, chamadas de neuroatípicas ou neurodivergentes, como pessoas com deficiência. E, apesar de todas as dificuldades diárias, o maior desafio das pessoas neuroatípicas e dos seus familiares é justamente lidar com a rejeição social.
As estereotipias, comportamentos repetitivos, rigidez cognitiva, impulsividade, crises, agressividade e alterações repentinas de humor são condições pelas quais costumam passar indivíduos acometidos com TEA e que tendem a promover rejeição por grande parte de pessoas que estejam em seu convívio.
Lidar com a rejeição é um desafio social de relevo, sobretudo em tempos de Setembro Amarelo, que prega a prevenção ao suicídio. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 45 minutos um brasileiro comete suicídio e esse índice pode ser de 4 a 10 vezes maior entre pessoas autistas, alimentado ainda pela pesquisa publicada na revista britânica The Lancet que aponta a prevalência de pensamentos suicidas entre 66% de autistas.
Infelizmente, a sociedade não está preparada para lidar com o autismo. Crianças autistas são tratadas como sendo sem limites ou sem educação, julgamentos na maior parte das vezes feito por adultos. Eu, como pai atípico de uma criança autista nível 1 de suporte, acredito viver o preconceito e a rejeição em todos os ambientes de convivência do meu filho, quase todos os dias.
Em 2015, foi instituída em âmbito federal a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que prevê um amplo amparo à pessoa com deficiência, não só àquelas deficiências aparentes, mas também contemplando as deficiências ocultas, não aparentes.
O artigo 8º do mesmo estatuto ainda pontifica que é um dever não só do Estado como de toda a sociedade e da família assegurar a dignidade, o respeito e a convivência comunitária da pessoa com deficiência, além de outros direitos que deverão ser-lhes garantidos com prioridade.
Entretanto, ainda estamos, como comunidade que almeja um patamar dignamente civilizatório, a anos-luz de assegurar esses direitos em plenitude. Deparamo-nos, com frequência, com matérias jornalísticas que expõem pessoas com transtorno do espectro autista sendo vítimas de violência, seja por meio da rejeição e da exclusão social, seja até mesmo por meios físicos. A não inclusão do autista é uma violência. E a prática de qualquer ato segregatório ao autista é crime sujeito à pena de reclusão de um a três anos e multa (artigo 88 do Estatuto).
O propósito deve ser ir além do marco civilizatório instituído pelo Estatuto e, por conseguinte, repensarmos nossa postura de sociedade não inclusiva e discriminatória, como forma de abraçar pessoas com deficiências, sejam elas quais forem.
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