Com o objetivo de combater a sonegação fiscal e de prevenir a concorrência desleal, o governo do Estado criou a figura do devedor contumaz. A Lei nº 12.124/2024 e o Decreto nº 5.774-R/2024 estabeleceram que se enquadram nessa categoria os contribuintes que deixarem de recolher impostos em valor superior a R$ 1 milhão relativos a seis meses de apuração, no período de doze meses, ou que tiverem débitos inscritos em dívida ativa em montante superior a R$ 15 milhões.
O contribuinte considerado devedor contumaz ficará impedido de usufruir de benefícios fiscais cuja aplicação dependa de requisitos vinculados a sua condição específica e será submetido a um regime especial de fiscalização.
Além disso, a legislação prevê: a) a alteração do prazo de recolhimento do imposto para o momento em que ocorrer a saída da mercadoria ou o início da prestação de serviço; b) a atribuição da obrigação de recolhimento do imposto devido pelo devedor contumaz ao destinatário da mercadoria ou ao tomador do serviço; e c) a transferência da responsabilidade pelo pagamento do imposto incidente sobre a operação realizada pelo devedor contumaz para o fornecedor de mercadoria ou serviço.
A medida garante que o imposto devido pelos devedores contumazes seja recolhido por seus fornecedores ou clientes, diante da desconfiança de que eles não cumprirão as suas obrigações perante o Fisco.
E o impedimento à fruição de benefícios fiscais estimula a regularização dos maus pagadores, sob pena de perda da competitividade.
Os contribuintes que se enquadrarem nas condições previstas na nova legislação serão intimados por edital para comprovarem a regularidade da sua situação fiscal. Finalizada a apreciação das comprovações apresentadas, ato do gerente fiscal relacionará os contribuintes considerados devedores contumazes.
Segundo a Sefaz/ES, será dada ampla publicidade à lista de devedores contumazes, de forma a evitar que as empresas capixabas transacionem com esses contribuintes inadvertidamente.
Não se pode negar que são elogiáveis a preocupação com a formação de um bom ambiente de negócios e a pretensão de manter a boa saúde fiscal do Espírito Santo. O Estado não pode se descuidar do controle das contas públicas, como historicamente vem fazendo, nem pode permitir que as empresas se fortaleçam e ganhem competitividade à base da sonegação de tributos.
Esse mecanismo, por outro lado, coloca os devedores contumazes em situação de flagrante desvantagem concorrencial.
Ele gera a concepção de que essas empresas não cumprem os seus compromissos, inclusive perante os seus fornecedores e clientes, causando a sensação de que não é recomendável transacionar com elas.
Além disso, o regime atribui aos fornecedores e aos compradores desses contribuintes a obrigação de apuração e de recolhimento do tributo devido por eles. Trata-se de uma burocracia adicional e de atribuição de responsabilidade que, corriqueiramente, não faz parte do exercício da atividade comercial.
Isso certamente inibirá a negociação com os devedores contumazes, do que decorrerá a redução das operações por eles praticadas e a diminuição do acúmulo de recursos, em prejuízo da própria satisfação da dívida com o Fisco.
A criação da figura do devedor contumaz certamente limitará a obtenção de crédito junto a instituições financeiras e provocará uma piora das condições de compra junto a fornecedores, inclusive com redução de prazo para pagamento e aumento do preço dos produtos.
Entraves dessa natureza já foram analisados pelo Supremo Tribunal Federal, que chegou à conclusão de que é inconstitucional a restrição ilegítima ao livre exercício da atividade econômica, quando imposto como meio de cobrança indireta de tributos.
O instituto do devedor contumaz certamente obstaculiza o exercício da atividade econômica porque cria um cenário de desestímulo à negociação com as empresas taxadas como mau pagadoras. Trata-se de medida desproporcional porque não é a menos traumática dentre as capazes de fazer com que o inadimplente quite as suas dívidas.
Além disso, o Fisco já dispõe de vários instrumentos destinados a compelir os contribuintes a saldar seus débitos, tais como o protesto de CDA, a inscrição no Cadin, a indisponibilização de bens via cautelar fiscal, a recusa de fornecimento de certidão negativa, a execução fiscal e os seus mecanismos de bloqueio de patrimônio etc.
Outro ponto passível de questionamento é a falta de proporcionalidade do critério adotado para a caracterização do devedor contumaz. Considerando que as referências são valores fixos, os grandes contribuintes capixabas correrão um risco maior do que as outras empresas de serem classificados como maus pagadores.
Em resumo, ainda que não se possa esquecer que o tributo se traduz em um dever fundamental para o financiamento de uma vida digna em sociedade, a legislação que criou o instituto do devedor contumaz não passa pelo teste de constitucionalidade.
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