Muitos profissionais durante a pandemia foram forçados pelas circunstâncias a refletir sobre o futuro de suas profissões. Algumas áreas se fecharam, outras se abriram e quase todos precisaram se adaptar. Mas se alguns profissionais foram sacudidos pela primeira vez de suas posições bem acomodadas, os professores sabem bem o que é ter suas convicções chacoalhadas.
A figura do professor como detentor do saber, fonte exclusiva da informação e único personagem ativo no processo ensino-aprendizagem está tão ultrapassada quanto o mimeógrafo. Na tentativa de adequação à pedagogia moderna, até a designação de professor tem sido rejeitada. Agora somos facilitadores, mediadores do conhecimento, gestores do ambiente de aprendizagem. São tantas as visões e revisões do que realmente é ser professor que muitos hoje vivem uma crise de identidade profissional.
Certa vez ouvi um bromatologista definir sua atividade profissional com a seguinte frase: “meu trabalho é garantir que pessoas simples tenham o prazer de desfrutar de uma refeição saborosa e saudável”. Mesmo acrescentando uma descrição técnica nos minutos seguintes, esclarecendo que fazia análises químicas em alimentos industrializados, o que ficou em minha mente foi sua declaração inicial. Não eram as análises químicas que o motivavam a acordar cedo e ir para o laboratório todos os dias. A convicção e o brilho nos olhos daquele profissional me fizeram perceber que ele não tinha um emprego e sim uma missão.
Durante muitas décadas, pensadores da educação têm defendido arduamente uma mudança de paradigma no que diz respeito ao papel do professor. Lenta e gradativamente, tanto a sociedade quanto nós, professores, temos compreendido a necessidade de nos despojarmos dos nossos empregos de transmissores de conhecimento específico e de assumirmos nossa missão de construtores de seres humanos. Não precisamos de novos significados para a palavra professor, precisamos de professores que se enxerguem como aqueles que pode transformar a sociedade mudando um aluno de cada vez.
Ao contrário do que muitos imaginam, os maiores obstáculos a essa metamorfose educacional não são a resistência dos professores e a rigidez do sistema educacional brasileiro, e sim as distorções das práticas pedagógicas. Formar alunos críticos, autônomos e responsáveis não é catequizá-los para que subscrevam nossas ideologias e convicções, mas ajudá-los a enxergar a multiforme beleza das ciências, o horizonte de possibilidades aberto pela curiosidade investigativa e a recompensa libertadora da autonomia didática.
Outro empecilho à formação integral dos nossos jovens é a visão conservadora e contraditória da sociedade quanto ao papel da escola e dos professores. Se por um lado criticam os modelos tradicionais, por outro cobram a estrita finalização dos conteúdos. No discurso, defendem as propostas que desenvolvem a inteligência emocional dos educandos, mas, na prática, blindam os filhos das mínimas frustrações necessárias a esse desenvolvimento.
Se nem sempre é possível contar com a coerência diretiva da sociedade para nortear os rumos da educação, aos professores não deveria faltar convicção quanto aos objetivos. Não devemos ter apego às metodologias e práticas pedagógicas. Essas podem e devem ser questionadas, adaptadas e até abandonadas. O que precisa ser duradouro e palpável é nossa missão. Os verdadeiros educadores são aqueles que querem para o outro o bem que querem para si mesmos. Os que abraçam uma vocação e não uma vaga de emprego. Os que não têm medo de ensinar e se esmeram em fazê-lo.
O autor é professor e mestre em Matemática
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