Com um certo atraso de 20 anos, resolvi ler o livro do Duda Mendonça, “Casos e Coisas”, lançado em 2001, quando ele tinha acabado de ser contratado pelo PT para fazer as propagandas institucionais do partido. Depois, como se sabe, ele viria a fazer a campanha que elegeu Lula presidente pela primeira vez, em 2002.
Apesar de antigo, lançado antes da febre das redes sociais, o livro contém lições de marketing político que permanecem atuais, além de histórias saborosas, bastidores da política e memórias de infância, como se fosse uma grande crônica, leve e bem escrita.
A primeira coisa que fazia quando assumia uma campanha, contou Duda, era estudar atentamente o seu candidato: “Seu jeito de falar, seu modo de agir, seus gestos típicos, suas frases preferidas, os adjetivos que mais usa etc. São coisas aparentemente menores, mas que jamais devem ser mudadas: ele é assim e tem que continuar assim. Se você tenta modificar o seu candidato, ele deixa de ser o que é e nunca consegue ser o que você quer que ele seja”.
O marketing político é comumente criticado por transformar candidatos num produto bem embalado, como se fosse um sabonete. Mas uma coisa é fazer pequenas correções na imagem. Outra, bem diferente, é uma reforma geral: “Tem gente que muda tudo, da cor do cabelo à forma de vestir ao modo de se expressar, desmoralizando o cidadão. Isso não é marketing, é pura maluquice”.
Duda ficou conhecido na campanha de 2002 por criar a figura do “Lulinha paz e amor”. No livro ele conta um pouco sobre esses bastidores. Uma de suas inovações na campanha do PT foi simplesmente mostrar Lula sorrindo. Até então ele costumava aparecer sempre muito sério, quase raivoso. E na verdade, no convívio pessoal, Lula sempre foi uma figura simpática – independentemente dos resultados de sua gestão, seu carisma é inegável, tanto que está bem posicionado nas pesquisas hoje.
Como foi lançado antes mesmo da criação do Facebook, que surgiu em fevereiro de 2004, o livro destaca como grande trunfo de uma campanha o horário eleitoral na TV, que passou a ter peso relativizado especialmente após vitórias como a de Bolsonaro, em 2018, lastreadas principalmente numa poderosa engenharia de distribuição de conteúdo (nem sempre verdadeiro) nas redes.
Mas a TV permanece importante, e tanto na TV como nas redes o candidato não pode dispensar uma estratégia de comunicação bem definida. “Não existe político, exercendo função executiva ou legislativa, que possa dispensar uma boa assessoria de comunicação. Esta é a primeira regra. E quando falo em equipe de comunicação, refiro-me, de um modo amplo, a um conjunto que engloba assessoria de imprensa, relações públicas, propaganda e marketing”, diz Duda, naturalmente advogando em causa própria, mas com toda razão.
Falecido em 16 de agosto passado, aos 77 anos, Duda Mendonça era um gênio da publicidade brasileira. Alvo de processos durante o mensalão e o petrolão, foi investigado na Lava Jato, virou réu no STF e chegou a fazer delação premiada, que foi homologada pelo Supremo. Algo surpreendente para quem viveu episódios como este a seguir.
Em 1992 ele havia acabado de ser contratado para fazer a campanha (vitoriosa, enfim) de Paulo Maluf à Prefeitura de São Paulo. Estavam todos em reunião quando a contabilidade do Duda Mendonça ligou avisando que havia um erro na primeira parcela do pagamento. “Duda, nem continue. Aqui, o combinado é seguido à risca. Se houve erro, foi de vocês, com certeza”, disse um assessor.
“Gosto das coisas certas, claras, direitas”, explicava o publicitário. “O que a minha contabilidade informou é que vocês erraram. Nos pagaram duas vezes a mesma parcela. Quero saber, apenas, a quem devolvo o dinheiro”. Todos na sala perderam a voz.
Duda era espiritualizado. Em agosto de 1999 resolveu fazer com o filho Alexandre o Caminho de Santiago de Compostela. Um dia teve uma espécie de iluminação. Transcrevo um resumo: “Não estava alegre, mas também não estava triste. Nenhum pensamento. Só uma estranha sensação de liberdade, tranquilidade e bem-estar. Pela primeira vez em minha vida entendi o que tanto procurava. Não se chamava felicidade. Seu nome era paz. Comecei então a chorar de tal forma que assustei o meu filho”.
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A busca pelo sucesso, dizia ele, pode também comprometer a sua felicidade, porque significa abrir mão da vida pessoal para se dedicar aos negócios. Terminei de ler o livro e pensei: poxa, gostaria de tomar um chope e conversar com esse cara. Agora não dá mais. Mas o livro está aí, e vale muito a pena ser lido. Mesmo com 20 anos de atraso.
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