Em 1942, em plena Segunda Guerra, Willian Beveridge, um funcionário do governo britânico, produziu um relatório descrevendo os principais problemas sociais daquela nação e propondo um plano para superá-los. Quase 80 anos depois, estamos no meio de outra batalha épica, de diferente natureza, é verdade. Esta sanitária, aquela bélica. Antes, como agora, a emergência de um desafio colossal jogou luz sobre os problemas sociais que faziam com que os mais vulneráveis fossem os mais castigados ante o flagelo global.
Posteriormente chamado de “Relatório Beveridge”, o documento nomeou os “cinco gigantes” a serem combatidos: fome, doença, miséria, ignorância e ociosidade. A proposta de Beveridge passava pela reformulação do sistema de seguridade e proteção social do Reino Unido. O sistema proposto só começou a ser implantado nos anos que se seguiram à guerra. Mas as bases para a transformação estavam lá.
O Brasil de hoje enfrenta uma das maiores, senão a maior, crise de sua história. Enquanto a Segunda Guerra transcorreu principalmente na Europa, ainda que com efeitos indiretos por aqui, a pandemia do novo coronavírus não viu fronteira. Espalhou-se pelo mundo na velocidade dos modernos jatos transoceânicos e penetrou nas mais remotas paisagens seguindo a trilha aberta pelos desbravadores de outrora. E, como na Europa nos anos 40, jogou luz sobre problemas que alguns imaginavam inexistentes, mas que de fato nunca o foram.
A pandemia descortinou a brutal carga despejada sobre os mais pobres em um dos mais desiguais países do mundo. Seja na dificuldade do acesso à saúde, seja na falta de condições triviais de higiene ou nas diferenças reveladas nas (im)possibilidades de ensino remoto, revela-se o desproporcional efeito da pandemia nos diversos extratos sociais.
No Brasil de hoje também se sobressaem gigantes inimigos que teimamos em ignorar. i) a ausência de educação básica de qualidade para todos, que está na raiz da permanente desigualdade; ii) a falta de acesso a água limpa e coleta de esgoto; iii) a ausência de habitação decente; iv) a exposição a doenças e agravos pela falta de acesso à saúde. V) os amplos contingentes de desempregados e de esquecidos por um sistema de proteção econômica que mal chega à metade dos brasileiros.
Assim como os ingleses da primeira metade do século XX, que erigiram as bases para a reconstrução durante a guerra, devemos nos preparar agora para o pós-pandemia. Como toda crise, essa vai passar. Sairá melhor quem não se deixar levar pelo canto de sereia do populismo, que estimula o gasto irrefletido, e planejar agora o caminho a trilhar amanhã. Enfrentar os cinco gigantes que alimentam nossa abismal desigualdade pode ser um começo alvissareiro.
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O autor é economista, ex-secretário de Economia e Planejamento do Espírito Santo (2015-2018)
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