No último domingo (15), milhões de brasileiros foram às urnas escolher os representantes do Executivo e do Legislativo de suas cidades. Dos recentes resultados, podemos tirar alguns diagnósticos relevantes, o principal deles é que o bolsonarismo minguou. Candidatos apoiados diretamente por Jair Bolsonaro nas principais capitais brasileiras não passaram ao segundo turno ou, se passaram, o fizeram com índices de rejeição elevadíssimos. Dois bons exemplos: o caso de São Paulo, com a derrota de Celso Russomanno (Republicanos), e o do Rio de Janeiro, com a elevada rejeição ao atual prefeito, Marcelo Crivella (Republicanos).
Além disso, o PSL, partido ao qual filiava-se o presidente (atualmente sem partido) e que supreendentemente ocupou a segunda maior bancada do Parlamento em 2018, perdeu força pelas cidades ao redor do país, não tendo cravado nenhum candidato sequer nas vinte seis capitais estaduais do país, no último domingo. A extrema-direita parece frear no atual quadro brasileiro e o retorno de velhos conhecidos do grande centro do picadeiro político, composto por partidos como MDB, PSD, PP e DEM, retomam posições locais relevantes.
O pêndulo parece ceder de um extremo, mas, ao que tudo indica, não muito distante dali, tende a centralizar-se. A Aliança pelo Brasil, sigla partidária que tenta se formar para sustentar o bolsonarismo, não chegou a tempo de socorrer o fenômeno nestas eleições. No entanto, ainda que tivesse participado, nada indica que vingaria, porque o fracasso ideológico bolsonarista ficou transparente nas urnas. Podemos dizer, com isso, que o partido à imagem e semelhança do presidente parece ser aquele partido que foi, sem nunca ter sido.
Doutra banda, se o centro político nacional comemora a manutenção da tradição municipalista, a frente progressista de esquerda custou também a ser formada nestas eleições, com pontuais vitórias importantes, mas fugindo de figuras esperadas do álbum tradicional do país. Dispersa em vários partidos e em choque por vários interesses, não houve a composição da esperada frente ampla progressista, a fim de puxar o pêndulo na direção oposta.
Preocupa-nos, em simultâneo, a fala do presidente imediatamente após a totalização dos votos pelo Tribunal Superior Eleitoral, resgatando o repisado obscurantismo à moda Bolsonaro, para dizer que há dúvidas sobre a lisura do sistema eleitoral brasileiro, que é feito há décadas por urnas eletrônicas. Em postagem numa rede social, Bolsonaro falou em “aperfeiçoamento do sistema eleitoral” para as eleições que almeja ser vencedor em 2022.
O que seria esse aperfeiçoamento? Basta-nos lembrar que o presidente duvidou dos resultados do próprio pleito em que saiu vitorioso em 2018, alegando sem provar (como de costume) que obteve mais votos dos que os contabilizados nas urnas. Nessa ocasião, voltou a defender os votos em cédulas de papel no país. Além disso, se tomarmos o mimetismo negacionista que o mandatário brasileiro reproduz com relação ao derrotado Donald Trump como parâmetro, certamente teremos dificuldades em convencer Bolsonaro do óbvio em 2022.
Fato é que a corrida eleitoral para a presidência da República, a ocorrer daqui a dois anos, parece já ter dado sua primeira largada no último domingo, e a posição de cada possível candidatura começa a ser desenhada na pista. Fernando Haddad, então candidato do PT em 2018, disse em entrevista ao programa "Roda Viva', da TV Cultura, em julho deste ano, que no Brasil as “eleições municipais não são um prognóstico do que acontecerá na eleição presidencial subsequente, mas sim um acerto de contas com o que aconteceu nas eleições anteriores”.
Se assim o for, o “tsunami” bolsonarista a que se referia a jornalista Míriam Leitão, a propósito do fenômeno eleitoral conservador das últimas presidenciais, parece perder força para se tornar, por ora, uma “marolinha”. Não é possível prever a altura das ondas, nem a intensidade dos ventos de 2022, mas passadas as municipais deste ano uma constatação deve ser feita: os que outrora surfaram na crista da onda conservadora de Bolsonaro, agora ou se encontram à beira da área de rebentação ou já levaram um verdadeiro capote.
O autor é advogado e mestrando em Direito e Ciências Jurídico-Ambientais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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