Um médico continua sendo médico quando ocorre uma emergência num voo e o piloto pergunta se existe algum profissional de saúde a bordo. Ele não terá todos os equipamentos para agir, mas vai cumprir seu chamado e terá um importante papel também de tranquilizar as pessoas. Quando se perdem os recursos, se volta à essência de sua atividade e ao símbolo do que ela representa.
Em tempos de pandemia, ocorre algo parecido com as lideranças. Os líderes perderam boa parte de suas ferramentas para comandar uma equipe – do recurso financeiro à presença física que permite perceber interações fora do padrão, o olhar ou o tom de voz que detecta um problema.
Isso fica claro ao gerenciar uma equipe trabalhando inteiramente em home office onde, além das tensões do trabalho, existem as pressões de uma quarentena que abala o lado emocional. O que resta é atuar no campo simbólico do que representa ser um líder, que é muito em tempos assim, e reconhecer o que é impossível.
Segundo Freud, existem três ofícios impossíveis: educar, governar e psicanalisar. Ele considera que fazer o outro pensar e sentir exatamente como você não é viável. Ao ampliar esse pensamento para a atual circunstância, é preciso identificar o que está fora do nosso alcance em relação aos desafios do isolamento.
É preocupante ver tanta gente desprezando o real, criando teorias da conspiração e tirando o foco do que importa. O negacionismo põe vidas em risco e coloca em xeque a reputação de líderes que insistem em não enxergar o que acontece no mundo.
Ao quererem fazer com que o outro pense à sua maneira, desprezando evidências científicas, eles são alvo de um coro constrangedor da humanidade, que remete a Cazuza: “Suas ideias não correspondem aos fatos”. Não reconhecem as limitações do cenário e falham no seu papel de ser um referencial na hora da dificuldade.
A pandemia é um problema global, mas cabe a cada um fazer sua parte em seu ecossistema, incluindo a responsabilidade com o que fala e a forma como age em tempos críticos diante de seus colaboradores ou da população.
Isso inclui tirar o peso de uma equipe já muito pressionada. É preciso fazer o viável para manter os negócios, mas há muitos fatores fora do alcance de qualquer um. Reconhecer os limites que o momento impõe não é limitação – pelo contrário, é o que nos permite sair da inércia e focar no que é possível fazer, além de ser fundamental como símbolo de cuidado e empatia.
Negar a realidade prejudica a produtividade e coloca a saúde mental das pessoas ainda mais em risco. Quando isso passar, elas não vão se lembrar do que você falou, mas de como se sentiram e na relação de confiança – se foi fortalecida ou abalada. O momento é de acolher, não de tensionar.
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O autor é empresário da área de comunicação, publicitário e lidera uma rede formada por cinco empresas.
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