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É doutora em Arquitetura e Urbanismo (USP)

Enseada do Suá: verticalização é premissa de desenvolvimento?

Quanto à função de lazer, o bairro apresenta as mais belas visadas para o mar, a Baía de Vitória e o Convento da Penha, entretanto, esse potencial é pouco explorado pelas formas de uso do território

  • Isabella Batalha Muniz Barbosa É doutora em Arquitetura e Urbanismo (USP)
Publicado em 31/10/2024 às 16h29

Há algum tempo as torres de 43 andares previstas para Enseada do Suá geraram polêmica, e novamente vêm à tona algumas reflexões pertinentes: que cidade queremos? Estamos de fato inseridos num processo de gestão democrática das cidades?

O discurso oficial da sustentabilidade tem como ponto de partida a preocupação com a redistribuição justa dos serviços, com a equidade e a proposição de pertencimento do cidadão à cidade.

Entretanto, estudos mostram que, em grande parte das experiências locais de planejamento, a dimensão social urbana permanece subestimada ante o planejamento pouco permeável às diferenças sociais e urbanas cada vez mais acentuadas. Um divisor de águas importante nessa discussão diz respeito à percepção de como as ações e estratégias se estabelecem no território, e como convergem ou não para atender a função social da cidade preconizada na Constituição Federal, e regulamentada pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), que é atender todas as dimensões, como habitação, trabalho, mobilidade, lazer, entre outras.

Inclusive em seu Art 2º fala da cooperação entre governos, iniciativa privada e demais setores da sociedade no atendimento ao interesse coletivo no processo de urbanização.

No caso da Enseada, devemos ficar especialmente atentos à função da paisagem, do lazer e da mobilidade efetiva. O bairro tem caráter metropolitano que agrega inúmeras instituições públicas, serviços médicos e educacionais, edifícios residenciais, shopping center, e é local de transbordo entre municípios, o que gera grande fluxo de pessoas e veículos.

Se mantidas as atuais perspectivas de significativa verticalização das edificações, aumento do potencial construtivo e da densidade populacional na Enseada do Suá, o sistema de transporte público e de automotivos tende a entrar em colapso, haja vista o atual congestionamento do trânsito na região em horários de pico, agravado pelo fluxo de veículos que acessam a Terceira Ponte e, em especial, pela falta de investimentos expressivos e políticas públicas mais efetivas voltadas para mobilidade, transporte ativo e caminhabilidade.

Quanto à função de lazer, o bairro apresenta as mais belas visadas para o mar, a Baía de Vitória e o Convento da Penha, entretanto, esse potencial é pouco explorado pelas formas de uso do território, com alguns acessos restritos e existência de edificações, que bloqueiam a paisagem, e grandes áreas destinadas a estacionamentos.

Imagens de drone da Praça do Papa na Enseada do Suá
Imagens de drone da Praça do Papa na Enseada do Suá . Crédito: Luciney Araújo

Emblemático desse bloqueio da paisagem é o imenso edifício em escala longitudinal construído atrás do Shopping Vitória, que privou a população do deleite da paisagem marítima, em detrimento do privilégio de alguns pouco moradores. A fruição do espaço público pelo cidadão promove a construção de identidade e a ligação com o mar é de extrema importância.

O Estatuto da Cidade e outras leis federais do desenvolvimento urbano apresentam instrumentos que permitem evitar empreendimentos ou atividades que possam funcionar como polos geradores de tráfego, sem a previsão de infraestrutura correspondente, mas essa não é uma prioridade da gestão pública no sentido de enfretamento dos grandes empreendedores.

Observa-se, portanto, uma tênue evidência que a premissa da gestão democrática das cidades tende a ser banalizada e transformada em mimesis de padrões estéticos de cidades (Dubai, Nova York) onde a verticalização é sinônimo de poder e riqueza. Ou seja, uma visão equivocada de desenvolvimento urbano qualitativo, quando a negociação entre poder público e privado não se privilegia o interesse coletivo, da memória e da potencialização da paisagem, e qualidade de vida para todos seus cidadãos. A cidade deve revelar potencialidades territoriais ao indivíduo que conecte o seu sentido de pertencimento.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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