A década de 1990 foi marcada pelo avanço do neoliberalismo no Brasil com as políticas iniciadas por Collor e intensificadas por FHC com ajuste fiscal, privatizações e desregulamentação da legislação trabalhista que atingiu a educação. Através da LDB de 1996, a atuação de instituições de ensino superior com fins lucrativos tornou-se possível e, dessa forma, os programas de crédito estudantil mostraram-se benéficos propiciando o ascenso do Fies — criado em 1999 — que tem por objetivo aumentar o acesso e a permanência de estudantes, costumeiramente com baixa renda.
Assim, a entrada da classe trabalhadora nas instituições privadas tem por objetivo a lógica do lucro e do ensino massificado que barateia os custos, fazendo com que não haja ensino de qualidade e sem reflexões profundas sobre a sociedade brasileira e sim mantendo o status quo do sistema capitalista.
Entretanto se engana quem crê que o modelo precarizado e voltado ao mercado encontra-se só no ensino privado. As universidades públicas sofrem ataques de cunho moral com a deslegitimação da ciência e criação de notícias falsas sobre o ambiente acadêmico e estruturais, com anuais cortes de verbas que prejudicam o bom andamento das atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Ainda assim, a comunidade acadêmica se dedica diariamente a cumprir sua função social e retornar à sociedade as demandas produzidas, como no caso da Covid-19, que inviabiliza a atividade de ensino presencial, mas não a pesquisa e a extensão, que segue com atividades na busca por solucionar problemas advindos da crise do novo coronavírus. Há grande pressão do empresariado — que ataca a Ufes mesmo esta sendo referência nacional e internacional em diversos projetos científicos — para a implementação do ensino remoto.
A pressão deu certo e ocorreu a aprovação dessa precária modalidade pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Ufes — cuja composição explicita a falta de democracia universitária, já que os Conselhos Superiores são compostos por 70% de professores, 20% de estudantes e 10% de técnicos-administrativos.
Não levou em consideração que muitos estudantes não conseguem realizar o ensino remoto por alteração do cotidiano familiar, dificuldade e falta de acesso à internet — segundo o IBGE, 46 milhões de brasileiros não possuem acesso à internet, número que atinge 25% da população acima de 10 anos de idade. Há a defesa de que a adesão ao ensino remoto funciona como redução de danos em relação ao caótico momento pandêmico, mas isto é dar resposta fácil a questões complexas.
Portanto, o ensino remoto é engodo para dar respostas rápidas ao empresariado, não preocupado com a qualidade do ensino, mas sim com sua mercantilização. Precariza o trabalho dos docentes que, junto aos estudantes, se desdobrarão para dar conta de atividades que ocuparão quase a totalidade de seus dias, podendo levar à exaustão, depressão e ansiedade, já recorrentes na pandemia e que afetam os brasileiros ampliadamente por termos um governo que não se importa em defender as vidas e não podemos fingir normalidade enquanto perdemos familiares e amigos.
A defesa da saúde física e mental deve se sobressair ao discurso vazio e ao interesse do empresariado, o qual busca vender recursos tecnológicos como o serviço do G Suite, da Google, a qual se apropria indiscriminadamente os dados dos usuários da plataforma para fins lucrativos, de modo a atingir toda a comunidade acadêmica: docentes, técnicos-administrativos e estudantes. Não podemos excluir milhares de jovens do ensino superior, fortalecendo um projeto privatista de educação e jogá-los ao campo da desilusão, frustração e acabar com o sonho do diploma conquistado através do ensino presencial a partir de uma universidade que preza pela sua qualidade, por ser pública e por ser gratuita.
O autor é sociólogo e mestrando em Política Social pela Ufes
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