O Brasil possui uma máquina pública considerável, ainda que aquém das necessidades impostas pelas dimensões continentais. Não raro, surgem discussões acaloradas acerca da existência dessa máquina, com reforço dos discursos envolvendo a diminuição do quantitativo de servidores públicos e o fim da estabilidade.
Sabe-se que décadas de transformações na organização e na gestão do trabalho no serviço público buscaram tornar a administração pública mais eficiente e próxima dos interesses dos cidadãos. A importação das práticas gerenciais da iniciativa privada, aos poucos, também auxiliaram a administração pública no cumprimento do seu papel constitucional no caminho de maior eficiência e transparência, sem desrespeitar os princípios da legalidade e moralidade.
Certa lógica da iniciativa privada precisa sim ser internalizada aos serviços públicos. O objetivo é tornar as organizações públicas também atreladas a uma lógica de resultados, de redução de custos e de aumento da eficiência. Princípios muito bem-vindos, uma vez que a meta de um serviço público de qualidade é entregar o melhor resultado aos seus clientes: o cidadão brasileiro.
Contudo, uma caraterística muito comum no serviço público é a estabilidade do servidor público. Após empossado, o servidor habilitado em concurso público adquirirá estabilidade no serviço público ao completar dois anos de efetivo exercício. Tal estabilidade é alvo ininterrupto de críticas ácidas, as quais, nem sempre, estão erradas já que a estabilidade exige que um custoso e prolongando processo administrativo seja promovido para desligar os servidores que não cumprem minimamente as diretrizes básicas da administração como assiduidade; disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade.
Em alguns casos, em razão de leis de determinadas categorias do serviço público, o desligamento é absurdamente convertido em aposentadoria compulsória com proventos parciais ao tempo de serviço. Ou seja, um escárnio feroz para o cidadão.
Assim, tais anomalias do serviço público devem ser enfrentadas, principalmente na elaboração de avaliações de desempenho objetiva e eticamente conduzidas, bem como a correção de anomalias bizarras, como a famosa aposentadoria compulsória, as quais deveriam ser transformadas em demissão a bem do serviço público.
Por outro lado, a estabilidade no serviço público mostrou sua importância, nos últimos dias, crucial no ferrenho combate a corrupção, o mal feito administrativo, a politicagem chula, a troca de favores, o uso da máquina pública para fins pessoais e ao patrimonialismo visceral brasileiro. O servidor estável é forte barreira no enfrentamento de agentes políticos mal intencionados e com grande influência institucional e política.
A estabilidade protege o servidor que faz o seu trabalho com produtividade e responsabilidade com a coisa pública, impedindo que o patrimonialismo balofo prevaleça frente ao interesse público e da coletividade. A estabilidade traz certa tranquilidade financeira e psicológica ao servidor que cumpre com suas tarefas com zelo e eficiência. Ela dificulta que demissões e exonerações sumárias, assédio moral pessoal e institucional, remoção arbitrária para outros locais e postos sejam operacionalizados por agentes políticos poderosos e sem qualquer preocupação com a coisa pública. Impede que eles atuem livremente, pilhando os recursos públicos em proveito próprio.
O último evento, as joias árabes, envolvendo os servidores da Receita Federal do Brasil mostrou que a estabilidade é fator determinante para a qualidade e proteção do patrimônio público e da moralidade pública. O cidadão deve cobrar acintosamente pela eficiência no serviço público, não tolerando servidores que intencionalmente são ineficientes.
É preciso melhorar as formas de avaliação de desempenho. No entanto, lutar contra a estabilidade dos servidores em razão dos defeitos já ditos é permitir que certos agentes políticos possam utilizar a máquina pública conforme seus interesses pessoais, políticos e econômicos. Não raro, depara-se com propostas de agentes políticos no sentido de fragilizar a estabilidade no serviço público, criando cargos públicos de livre nomeação e exoneração. Ou seja, permitem que servidores públicos estáveis e combativos se tornem minoria.
Recentemente, o STF derrubou a criação de 307 cargos comissionados em um importante órgão estadual no ES. Os ministros entenderam que o total de cargos em comissão, que são de livre nomeação e exoneração, é desproporcional ao de efetivos, os quais precisam ser aprovados em concurso público.
O enfraquecimento de servidores estáveis é um caminho facilitador para que diversas formas de fragilizar o serviço público sejam permitidas. Assim, tem-se a permissão para que práticas nefastas sejam efetivamente instituídas, tais como nepotismo, direto ou cruzado, a permissão velada de assédio moral, o uso abusivo de força de trabalho sem a devida qualificação, o enfraquecimento de controles financeiros, a flexibilização de normas e regras e o pior de todos: a instituição do “jeitinho brasileiro” com a coisa pública.
Por fim, a afirmação de que há necessidade de aperfeiçoamentos dos serviços públicos deve ser afastada como justificativa para o fim da estabilidade dos servidores públicos. A afirmação é sedutora, mas é uma falácia, ardilosa e cuidadosamente trabalhada. O cidadão precisa ficar atento.
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