O projeto de renegociação da dívida dos Estados, apresentado no Senado, é uma das piores notícias que o país poderia receber neste momento. Entre outras medidas, a proposta prevê a renegociação da dívida em até 30 anos, com a redução dos juros, que poderão chegar a meros 1% ao ano, sob certas condições.
Esse “perdão” de dívidas de alguns com recursos de todos, na prática, é importante remarcar, será pago por todos e com moedas amargas, como inflação, juros altos, baixo crescimento econômico e déficit na geração de empregos. Isso porque não existe "almoço grátis", e a conta será transferida ao Tesouro Nacional.
Em outras palavras, todos os brasileiros terão de arcar com o custo desse projeto. E não é pouco. A perda estimada por economistas é de R$ 28 bilhões ao ano, e a dívida pública da União cresceria em 5,4% do PIB até o fim do programa. Ou seja, uma das maiores bombas fiscais dos últimos anos.
Isso ocorre porque os juros são subsidiados, uma vez que o custo de captação do Tesouro Nacional supera 6% ao ano. Ou seja, a União terá de emitir títulos da dívida, pelos quais pagará juros superiores a 6% ao ano, enquanto os estados pagarão à União juros entre 1% e 4% ao ano. Trata-se de uma matemática perversa que penaliza o cidadão comum em benefício de administrações estaduais que têm sido incapazes de fazer o dever de casa.
Além disso, o projeto beneficia principalmente os Estados mais ricos do Sul e Sudeste. Esses Estados, embora com economias robustas, têm sido reiteradamente beneficiados por medidas que perdoam ou reduzem suas dívidas com a União. Ao proporcionar a eles condições tão favoráveis, o projeto perpetua a cultura de má administração e de descaso com a responsabilidade fiscal.
Essa proposta é um verdadeiro presente aos maus pagadores, quando quem deveria ser premiado, se houvesse recursos para isso – e não há –, é quem põe e sustenta as despesas dentro dos limites da arrecadação, quem tem capacidade de fazer investimentos com recursos próprios, enfim, quem coloca a casa em ordem, cuidando das contas para cuidar das pessoas.
Esse prêmio à irresponsabilidade fiscal é um desincentivo dramático à dura tarefa de equilíbrio das contas públicas. O exemplo do Espírito Santo é emblemático do percurso desafiante de se fazer o certo em vez de se descambar para o fácil. Em 2003, o Estado enfrentava uma dívida que superava 100% da Receita Corrente Líquida, com salários dos servidores e pagamento de fornecedores com meses de atraso. A Cesan estava "entregue" ao BNDES como garantia da dívida. Com um vigoroso ajuste fiscal, o Espírito Santo colocou as contas em ordem, pagou os compromissos em atraso e reduziu a dívida.
Situação semelhante ocorreu em 2015, quando um novo ajuste fiscal foi necessário. Em meio à maior recessão do país, e enfrentando fortes pressões corporativas, o Espírito Santo manteve todos os pagamentos em dia, inclusive aqueles da dívida pública com a União.
Lamentavelmente, a proposta de renegociação da dívida é um exemplo de antipedagogia. Premia os maus pagadores com mais um programa de refinanciamento, sem impor travas significativas que garantam um ajuste nas contas. Pelo contrário, induz a novos gastos. Reconhecemos que o acerto nas contas dos Estados é necessário, mas isso tem de ser realizado de forma a garantir um ajuste estrutural e sustentável, e não empurrando o problema com a barriga até o próximo calote. A título de exemplo, entre as falhas, o projeto nem mesmo prevê sanções e penalidades robustas ao descumprimento das suas já frágeis regras.
O preço da farra fiscal já é nosso antigo conhecido. Quando deixaremos de ser um país que premia os caloteiros ao invés de reconhecer quem faz o dever de casa? É imperativo que aprendamos a valorizar quem cuida das contas e a premiar a boa gestão, sob pena de perpetuarmos a cultura da irresponsabilidade fiscal, comprometendo o futuro socioeconômico do país.
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