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É advogada criminalista e pesquisadora em gênero e raça pela Ufes

Estupro de vulnerável: decisão do STJ abre precedentes perigosos

A ênfase na preocupação com o destino do agressor em detrimento da proteção da vítima com menos de 14 anos reflete uma inversão de valores alarmante

  • Layla Freitas É advogada criminalista e pesquisadora em gênero e raça pela Ufes
Publicado em 25/03/2024 às 15h13

O recente posicionamento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) levanta a questão da possibilidade de abrir exceções à presunção do crime de estupro de vulnerável. Isso traz à tona uma discussão importante sobre a proteção dos direitos das vítimas de violência sexual, especialmente menores de 14 anos.

Um caso que exemplifica essa discussão é o de um homem de 20 anos que engravidou uma menina de 12 anos, debatido pelo Tribunal. A decisão da Quinta Turma, que se baseou no conceito de "erro de proibição", tem sido alvo de controvérsia e tem levantado questionamentos éticos e morais.

O Código Penal, em seu ART. 217 - A, é claro ao tipificar a conduta de ter relação sexual com menor de 14 anos como crime, independentemente de experiência sexual anterior ou consentimento da vítima. Essa legislação reflete o reconhecimento da vulnerabilidade desses indivíduos diante de práticas sexuais, bem como a necessidade de proteção legal para garantir sua integridade física e psicológica.

Entretanto, a decisão do STJ abre precedentes perigosos ao permitir o afastamento dessa presunção de crime em situações nas quais o agente alega desconhecimento da idade da vítima ou acredita erroneamente que sua conduta seja lícita.

A justificativa para o afastamento da condenação, baseada na preservação do "núcleo familiar" da criança, é problemática e revela uma romantização da violência sexual. A ênfase na preocupação com o destino do agressor em detrimento da proteção da vítima reflete uma inversão de valores alarmante. É fundamental reconhecer que a criança nascida dessa relação é, antes de tudo, um produto de estupro, e não de uma relação familiar legítima.

A romantização do estupro, ao desconsiderar o trauma e a violência inerentes a esse ato, contribui para a revitimização daqueles que já sofreram abuso. A decisão do STJ também estabelece um precedente perigoso, incentivando potenciais agressores a justificar seus atos com base em sentimentos românticos ou ignorância quanto à idade da vítima.

É crucial ressaltar que menores de 14 anos não possuem maturidade emocional nem discernimento para consentir livremente as práticas sexuais. Portanto, qualquer tentativa de relativizar o estupro nesse contexto é não apenas juridicamente questionável, mas também moralmente repreensível.

Adolescente
Adolescente. Crédito: Pixabay

A proteção dos direitos das mulheres, especialmente das vítimas de violência sexual, deve ser prioridade absoluta em qualquer sistema jurídico. Decisões como essa representam um retrocesso significativo na luta pela justiça de gênero e pela erradicação da cultura do estupro.

Em última análise, a decisão do STJ não apenas falha em garantir a justiça para as vítimas de violência sexual, mas também perpetua a desigualdade de gênero e a impunidade dos agressores. Devemos resistir firmemente a qualquer tentativa de relativizar ou romantizar o estupro e trabalhar incansavelmente para construir uma sociedade onde todas as pessoas sejam tratadas com dignidade e respeito, livre do medo da violência sexual.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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