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É psicóloga e advogada

Estupro durante o parto: coragem das enfermeiras fez a diferença

Quanto mais denunciarmos, menos dor teremos. O "ligue 180" não pode parar. As delegacias especializadas ou não precisam ser acionadas. As políticas públicas precisam ser eficazes. Precisamos parar de sofrer

  • Sátina Pimenta É psicóloga e advogada
Publicado em 12/07/2022 às 14h02

Todos os dias ensinamos às nossas meninas desde muito novas que precisamos tomar cuidado e nos proteger dos homens maus.

Aprendemos a sentar direito, não usar certas roupas, não falar com estranhos e não aceitar nada deles, aprendemos a segurar o copo firme na balada para não colocarem nada dentro e também aprendemos finalmente a não andar em locais escuros para não sermos estupradas. Se assim o fizermos estaremos protegidas daqueles que nos querem mal.

O que ocorre é que, mesmo que a mulher faça tudo isso, ela ainda assim não estará protegida!

Não a ensinaram que ela não pode trabalhar pois se assim o fizer será assediada pelo seu superior, não lhe disseram que não poderia namorar ou se casar pois se assim o fizer pode ser morta pelo sentimento de posse que ele terá sobre ela, não lhe falaram que não teria a liberdade de tomar decisões - mesmo que elas sejam protegidas pela lei - pois tudo o que fará estará errado e ela poderá ser punida pela sociedade.

episódio do estuprador médico anestesista (a sequência é esta e não o contrário) Giovanni Quintella Bezerra nesta segunda-feira (11)  estarrece ainda mais todos os não poderes das mulheres. Agora não podemos mais engravidar e ter nossos filhos em paz.

Importante deixar claro aqui que já não podíamos, pois de acordo com pesquisa realizada pela fundação Oswaldo Cruz na rede particular de saúde 30% das mulheres sofrem violência obstétrica, sendo que o número sobe para 45% na rede pública.

O caso em concreto não chama atenção só para a violência obstétrica, ele chama atenção para diversos enfrentamentos que precisamos pensar:

O primeiro enfrentamento é o sentimento de impunidade do agressor que mesmo com outras pessoas na sala, separadas dele por um mero pano, realiza o ato sem se preocupar.

Já o segundo enfrentamento infelizmente é que não importa como e onde essa mulher está. Ela sempre está sujeita a violência e a dor. Vejam, o local era um ambiente de saúde e acolhimento. A mulher estava dando à luz uma criança e mesmo assim foi violentada.

Os enfrentamentos um e dois nos remetem a uma relação de poder (poder fazer mesmo) que está enraizada em uma sociedade machista e misógina, o homem acredita que pode fazer tudo que quiser com esse objeto de sua propriedade. Sim! Os homens veem as mulheres como objetos que não possuem proteção e força, por isso fazem o que bem entendem com elas sem medo.

Terceiro enfrentamento: qualquer um pode ser um agressor. Eles estão em todas as classes sociais, possuem diplomas ou não, são de qualquer raça ou etnia, idade ou outro tipo de característica ou estereótipo. A mídia nos mostra estupradores com uma representação social munida de estigmas, principalmente quanto à classe social e à raça. E o agressor, nesse caso, é um médico.

O último enfrentamento: se não fossem as enfermeiras atuarem no caso, muitas outras mulheres (como já estão aparecendo) estariam ainda à mercê do estuprador. O senso de responsabilidade, empatia e sororidade salva.

Olhar tudo isso entristece. O sentimento de quem luta no Brasil pela igualdade e principalmente pelo respeito entre os gêneros é de que a luta está perdida. Porém, as enfermeiras e sua coragem mostram que a impunidade não pode e não deve acontecer. Quanto mais denunciarmos, menos dor teremos. O ligue 180 não pode parar. As delegacias especializadas ou não precisam ser acionadas. As políticas públicas precisam ser eficazes. Precisamos parar de sofrer!

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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