Sempre foi difícil ser mulher no Brasil, mas, neste mês, parece que o medo veio como um grande tsunami sobre todas nós. Com todas as notícias que circulam, as mulheres sentem que ser vítima de violência de gênero parece ser apenas uma questão de tempo, pois aparentemente nenhuma de nós tem a possibilidade de escapar disso em algum momento da vida.
O mês de julho mal começou e as mulheres capixabas se depararam com várias notícias referentes a estupro: no final de junho, o caso exposto da atriz Klara Castanho. No sábado (9), uma adolescente de 15 anos estava em um baile funk, em Cariacica, onde foi drogada por dois rapazes e, depois, o crime foi cometido na casa de um deles.
Crimes de estupro contra mulheres sempre foram recorrentes na sociedade brasileira, e em quase todos os casos o alvo de comentários sobre a postura, reação e atitude não foi o estuprador, mas, sim, as vítimas.
No caso da ex-atriz mirim, além de ser exposto em um ato de invasão de privacidade, foi questionado o porquê de a atriz ter entregado a criança, fruto de uma violência, para uma outra família. Mas com a identidade do estuprador, ninguém parecia se importar.
A publicação sobre o caso da adolescente em Cariacica, por exemplo, rendeu milhares de comentários, e muitos deles questionando o porquê de a adolescente estar naquele local; porém, quase nenhum perguntando o que dois criminosos estavam fazendo ali, em liberdade. Seria, pois, o local que a mulher frequenta um fator determinante para que esse tipo de crime aconteça.
Por fim, na última segunda-feira (11), o país se chocou com a notícia de que Giovanni Quintella Bezerra, um médico anestesiologista, abusou sexualmente de uma mulher enquanto ela estava sendo submetida a uma cesariana dentro de um hospital no Rio de Janeiro.
Então, em um contexto inesperado, o episódio trágico surgiu como um choque de realidade e mudança de perspectiva para alguns. Mas, para quem ainda não entendeu, a lógica é: as três mulheres foram violentadas por apenas um motivo: havia estupradores naqueles locais. E todo mundo creu que eles podem estar em qualquer lugar.
Se os dois rapazes que violentaram a menina não fossem ao baile funk naquela noite, ela, com exatamente a mesma roupa que foi e mesmo ingerindo bebida alcoólica (o que de fato é inadmissível em sua idade), não seria vítima de um crime. Se o anestesiologista daquela sala de parto fosse outro, possivelmente as enfermeiras não teriam flagrado o momento do abuso.
A questão não é onde a vítima está ou como ela está. Festas, bailes, roupas curtas, bebidas, terrenos baldios e ruas são apenas isso. Essas circunstâncias, sem um estuprador presente, são apenas locais, roupas, bebidas e ruas. É ilógico culpar esses locais ou as vítimas, sendo que os criminosos passam anônimos pelo julgamento social. No livro “Mulheres, raça e classe”, de Angela Davis, surge um questionamento muito pertinente para o nosso meio: “ […] por que existem tantos estupradores anônimos? Não seria esse anonimato um privilégio usufruído pelos homens cuja condição social os protege de processos judiciais?"
Ou seja: depositar energia de revolta no indivíduo errado só faz com que crimes como esses voltem a se repetir, pois as impunidades social e jurídica sempre estarão atreladas. Há muito o que mudar. A sociedade, no geral, não respeita - porque uma de nós é vítima a cada minuto - tampouco protege mulheres - porque, depois de violentada, ainda somos questionadas sobre algo que sofremos.
E até nós mulheres estarmos livres tanto de crimes quantos de julgamentos fajutos, nossa mente sempre repetirá a pergunta onde quer que estejamos: onde será que esse homem está, para eu não estar lá também?
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