Instrumentos musicais, estandartes e fantasias guardados lá em março de 2020 voltaram com toda potência para as ladeiras, praças e avenidas do Centro Histórico da Capital neste carnaval. O desejo dos realizadores dos blocos e dos foliões em ocupar o espaço urbano com felicidade transformou Vitória nos últimos anos, trazendo a cultura dos blocos de rua novamente para a centralidade do debate sobre o direito à cidade.
Se antes muitos capixabas buscavam os carnavais do interior e outros litorais, agora, o carnaval de rua do Centro de Vitória mobiliza as comunidades da região metropolitana e atrai turistas de todo o Espírito Santo e do país. Blocos com mais de 15 anos de história, como o Regional da Nair e o Galinha Preta, juntaram-se aos que surgiram depois (Afro Kizomba, Puta Bloco, Maluco Beleza e muitos outros) e criaram uma cena diversa que vem ganhando cada vez mais qualidade e proporções gigantescas. Muitos outros blocos ainda vão surgir e retornar às ruas.
Vale dizer que a maioria desses fazedores de blocos, e aqui temos que destacar as fazedoras também, são trabalhadores e trabalhadoras das mais diversas áreas que têm dedicado uma boa parte de sua rotina para a realização dessa festa, de forma independente e com grande empenho de tempo, energia e até dinheiro. Eles dão sustentação e fazem a resistência para que a folia aconteça.
O Blocão - Liga dos Blocos de Rua do Centro de Vitória - é uma organização criada em 2019 que alinha os interesses dos blocos, dialoga com a Associação de Moradores, com comerciantes e com o poder público para a realização de um carnaval popular que atenda os diversos envolvidos.
Para a realização da folia neste ano, o Blocão iniciou os trabalhos de forma remota em junho de 2021, ainda no contexto grave da pandemia. Em extensas reuniões, debates e construção de documentos, avaliaram quais os rumos que a folia poderia tomar, como garantir a segurança sanitária e a preservação da cultura do carnaval.
Com o avanço da vacinação, os ensaios e oficinas dos blocos foram retomados. Já nessa época, a liga buscava dialogar com a Prefeitura de Vitória, na perspectiva de que quando chegassem as condições possíveis, a cidade estivesse preparada para fazer uma festa de qualidade. Esse diálogo caminhou com muita dificuldade devido à falta de engajamento da gestão da cultura do município.
De lá para cá, muito foi pensado e proposto à PMV pelos próprios fazedores para melhorar o carnaval da cidade, valorizando seu viés popular, a preservação do patrimônio arquitetônico e histórico, e a humanização do acesso ao lazer durante a folia, com um olhar inclusivo. Muito foi sugerido para além da realização unicamente dos blocos. Provocações para definir ações estratégicas para a atuação dos serviços públicos (segurança, saúde, meio ambiente), campanhas educativas, criação de uma programação diversa por parte da PMV, que abarcasse as necessidades e desejos dos diferentes públicos e do próprio bairro.
Bloco Regional da Nair desfila pela avenida Beira-Mar no Centro de Vitória
Contribuições que vieram dos moradores do Centro, que já conheciam outros carnavais que Vitória viveu e que também estão conectados às movimentações de outras cidades brasileiras. Eles entendem a festa como parte da cultura local e como um direito que deve ser garantido pelo poder público. A festa também é vista como uma forma de geração de renda para comerciantes e famílias. Além disso, os moradores percebem a importância dos festejos conviverem em harmonia com o cotidiano do bairro, do qual os blocos e seus integrantes também fazem parte.
Os desfiles em 2023 refletem o empenho artístico e político desses blocos que se aprimoraram, mobilizaram, mostraram beleza e organização, apesar da precariedade da estrutura que não fez jus ao trabalho realizado nos últimos dois anos. Embora a programação tenha deixado alguns foliões, literalmente, a ver navios depois das 18h. Mesmo assim, os blocos do Centro de Vitória ofereceram uma outra realidade de brilho e alegria para uma cidade que vem perdendo constantemente seus espaços culturais públicos, privatizando ainda mais suas praias, criminalizando a cultura e que também quer prender e proibir o carnaval do povo.
Vai ser na rua, seja com bloco, seja com manifestação, que Vitória vai continuar a lutar pela felicidade.
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