Conheci Berlim há um ano. Só então entendi por que tantas pessoas se apaixonam pela cidade. Tem algo na arquitetura que mistura passado e futuro, na coexistência de tantos estrangeiros nos bares, na forma de expressar diferentes culturas nos museus – algo no ar, que coloca o lugar alguns degraus acima na escala evolutiva do convívio urbano.
Exemplo básico. Não há catraca ou policiamento no metrô, mas as pessoas fazem fila para comprar seus bilhetes. O que mais me marcou, porém, é que Berlim faz questão de lembrar até o que se deseja esquecer. Tudo por lá reforça, a moradores e visitantes, o tempo inteiro, os horrores de um governo de extrema-direita, materializado pelo nazismo.
Se você pegar aquele ônibus de turistas, o guia vai associando locais aos fatos, boa parte deles desconfortáveis. Diante da Universidade Humboldt a voz avisa que dali foram retirados 20 mil livros para serem queimados na cerimônia que incinerou publicações de judeus e comunistas em 1933.
O guia poderia enaltecer pesquisadores, elogiar o prédio. Não. Fala da queima de livros.
Faço o paralelo com Berlim para pincelar como o Brasil está na contramão da evolução que se vê por lá. Anda, inclusive, evitando debates sensíveis. Um deles? Não discute a ascensão de uma extrema-direita nacional, dessas bem ardidas.
Sorrateira, pelas beiradas, ela busca um lugar quentinho para se aninhar na sociedade. Com o discurso de que há comunistas corruptos a combater e bons costumes para defender, vai se esgueirando para dentro da vida dos brasileiros.
Quem acha que estou exagerando precisa refletir melhor sobre a recente repercussão conseguida por Sara Giromini, que prefere ser chamada pelo estiloso nome de Sara Winter. A moça está cumprindo prisão em liberdade, de tornozeleira, por hostilizar o STF (Supremo Tribunal Federal). O cidadão comum não deu muita bola quando ela marchou por Brasília. Teve gente que riu.
Mas, olhe só, com a maldade empoderada pelas redes sociais, ela criou uma polêmica antiaborto e mobilizou pessoas para expor uma menina de 10 anos, vítima de estupro do tio.
O aborto tinha autorização judicial. Pais e mães de família, porém, saíram de casa para se meter na decisão judicial na porta do hospital. Médicos não atenderam à decisão judicial. A família teve de transportar a vítima de um Estado a outro para fazer valer a lei.
Sim. Usei o termo maldade. Extremistas como Sara Winter se alimentam disso, crescem com isso – ódio, violência, agressão. Há algo muito ruim fermentando entre nós. Melhor seria que fizéssemos como os berlinenses.
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A autora é editora de Mercado do jornal Folha de S.Paulo
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