Bebeto, Guga e Minotauro são exemplos de muitos dos apelidos com os quais atletas brasileiros se consagraram em suas carreiras. Seja no futebol, seja no tênis, seja nas artes marciais mistas, cada um desses indivíduos teve sua imagem associada aos seus apelidos, de modo a distingui-los de seus pares. A depender da fama alcançada, patrocinadores passarão a se interessar não apenas pela imagem do atleta, mas também pelo uso do apelido com o qual esse se tornou conhecido. Assim, até que ponto um atleta, ou pessoa pública, poderá exigir exclusividade no uso de seu apelido?
Rayssa Leal, de apenas 13 anos, encantou o Brasil ao conquistar a medalha de prata no skate street durante os Jogos Olímpicos em Tóquio, tendo entrado para a história do país pelo ineditismo de sua conquista. Conhecida em seu meio esportista como Fadinha, a menina atualmente busca impedir que terceiro faça uso da marca “Fadinha do Skate”, atualmente registrada em nome de uma empresa de odontologia sediada no Maranhão. Além de ter registrado a marca para serviços de assistência médica e odontológica, a empresa registrou a marca também para itens do vestuário e serviços de organização de competições desportivas.
Os requerimentos para o registro da marca “Fadinha do Skate” foram feitos pela referida empresa no ano de 2019 e, sem que tenha havido qualquer exigência de mérito nos processos, eles foram concedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em abril de 2020. Por meio de seus representantes legais, a medalhista olímpica requereu a nulidade dos registros ao INPI ainda em 2020. A empresa de odontologia não apresentou defesa e o INPI não decidiu o mérito até o momento.
A argumentação da atleta, nos requerimentos de nulidade dos registros da marca, está amparada na Lei da Propriedade Industrial (LPI), especificamente no dispositivo que confere proteção aos apelidos notoriamente conhecidos (art. 124, XVI da LPI). Isso porque o legislador ocupou-se de proibir o registro, como marca, de pseudônimos ou apelidos notoriamente conhecidos e de nomes artísticos, salvo quando existir consentimento do titular, herdeiros ou sucessores. Portanto, Rayssa reivindica a titularidade do apelido “Fadinha do Skate”, e informa que não consentiu o registro da marca pela empresa maranhense.
Consequentemente, caberá ao INPI determinar se o nome “Fadinha do Skate” foi validamente concedido como marca à empresa ou se os registros merecem anulação por ferirem o direito de personalidade da atleta. Para tanto, será considerado, entre outros requisitos legais, se o nome “Fadinha do Skate” possuía notoriedade atrelada à Rayssa Leal quando os registros da marca foram requeridos pela empresa maranhense. Ademais, deverá ser ponderado pela Autarquia o quão distintivo é “Fadinha do Skate” a ponto de ser inequívoca, ou não, a associação desse apelido com a atleta.
Isso porque, segundo entendimento do órgão registral, além da notoriedade, o nome precisa ser singular o suficiente para não gerar dúvida quanto ao titular do apelido. Exemplos dados pelo próprio INPI, em seu Manual de Marcas, são os apelidos “Guga” e “Pelé”: o primeiro, irregistrável como marca no segmento de esporte, salvo se autorizado pelo ex-tenista Gustavo Kuerten; o segundo, irregistrável como marca em qualquer segmento de mercado, salvo se autorizado pelo próprio Edson Arantes do Nascimento. A diferença entre o primeiro e o segundo está no fato, segundo o INPI, de que “Guga” é um apelido comum e não necessariamente associado a Gustavo Kuerten. Portanto, a proteção estaria limitada ao ramo esportivo. Já o apelido “Pelé” possuiria distintividade o suficiente para extrapolar qualquer ramo de atividade, seja esportiva ou não.
Exemplos de nomes, em pedidos de registros de marcas, que já foram alvo de exigência ou indeferimento do INPI por remeterem, no entendimento da Autarquia, a nomes artísticos ou a apelidos notoriamente conhecidos no Brasil são “Zico”, “Anitta”, “Wando” e “Bolsomito”.
Este vídeo pode te interessar
Consequentemente, se o INPI entender que “Fadinha do Skate” é apelido notório, singular e indissociável da pessoa Rayssa Leal, os registros deverão ser anulados, ainda que tenham sido concedidos para atividades estranhas à prática esportiva. Por outro lado, na eventualidade de os registros serem mantidos pela Autarquia, a atleta poderá ser impedida, pela empresa maranhense, de fazer uso do seu apelido para práticas mercantis dentro das atividades identificadas pela marca registrada.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.