Sabe quando você se depara com aquele recado antes de um vídeo começar que diz: “Atenção! Cenas Fortes”? Eu, jornalista há 25 anos, já não tenho mais tantas travas para não prosseguir assistindo porque, em teoria, já estou acostumada a ver imagens desse tipo, muito fortes. Mas ao abrir o vídeo em que uma câmera de segurança flagra a ousadia com que Felipe Silva de Almeida, de 28 anos, mata sua ex-companheira, Aline Ribeiro da Rosa, de 35 anos, na frente de todo mundo, no meio da rua, numa calçada repleta de pessoas, inclusive crianças, eu simplesmente paralisei.
A impotência que senti diante da cena provavelmente foi a mesma daquelas pessoas que estavam ali naquele momento, vendo tudo ao vivo. Me senti teletransportada para aquele horror e não consigo acreditar, até agora, que um ser humano tenha tanto ódio a ponto de descarregar quase 30 tiros para matar a mãe de seus filhos diante de um monte de gente.
Depois do impacto, minha reflexão se voltou para o trabalho que fazemos todos os dias na cobertura de casos de violência contra mulher em A Gazeta, por meio do projeto Todas Elas. Reli uma coluna recente da jornalista Vilmara Fernandes, em que há um importante alerta sobre a escalada da violência contra as mulheres este ano. Lá, ela relembra histórias muito parecidas com a de Aline. Íris, Mirian, Sara, Paloma acabaram mortas por homens que não aceitaram o simples fato de elas serem mulheres, quererem uma vida de paz, sem ameaças, torturas e violências.
No projeto Todas Elas, desde que decidimos contar, a partir de 2020, a história por trás dos números de feminicídios no Estado, relatamos muitas histórias de horror. De lá para cá, percebemos que houve aumento no número de agressões e que as mulheres podem estar denunciando mais porque estão sendo informadas sobre canais de proteção. Os casos de feminicídio pareciam ter ganhado um ritmo menor, motivo que chegou a ser comemorado pelos órgãos estaduais.
O Governo do Estado, inclusive, lançou no último dia 15 de julho uma ferramenta muito importante que pode contribuir demais nas informações necessárias para criação de ações que aumentem o combate a essas violências. O Painel de Crimes Contra Mulher é fundamental para que a gente não perca a referência do nosso grau de violência estadual.
O acompanhamento que fazemos dos casos no Todas Elas e as informações dessa ferramenta nova me levam a fazer um alerta importante: podemos estar numa escalada de feminicídios como não vivemos há alguns anos. O homicídio contra a Aline foi o de número 24 no ano, sendo que só nos últimos três meses foram 15 mulheres mortas, 5 em cada mês. Essa sequência expressiva mensal não acontece dessa forma em toda a série histórica mostrada pelo painel do governo desde 2017, quando tivemos 42 feminicídios. Desde lá, não voltamos a superar mais de 40 mortes por ano.
A informação vinda da inteligência do painel é essencial. Só assim podemos refletir sobre o que estamos fazendo para proteger nossas mulheres. E se as estatísticas podem indicar que precisamos fazer mais. A morte da Aline é um indicativo de que temos falhado nessa proteção. A frase no vídeo que mostra seu assassinato deveria ser: “Atenção, precisamos refletir enquanto sociedade sobre como parar isso. Essa cena forte não pode mais sair da cabeça de ninguém”.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.