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É advogado trabalhista

Fim da 'jornada' 6x1: o que muda na vida do trabalhador?

O tema não é simples, vivemos um momento de constante substituição de mão de obra humana por tecnologia (inteligência artificial e robotização), de modo que a adoção obrigatória da semana de quatro dias pode gerar um aceleramento dessa substituição

  • Bruno Milhorato É advogado trabalhista
Publicado em 12/11/2024 às 17h56

Nesta semana, o tema “fim da ‘jornada’ 6x1” vem movimentando toda a internet e a mídia brasileira. Longe de ser um tema novo, a temática ganhou destaque em decorrência da Proposta de Emenda à Constituição-PEC (que não numero possui ainda), liderada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP). Seu texto propõe a alteração do art. 7º, XIII, da Constituição Federal, que passaria a vigorar com a seguinte redação:

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

Para entender a modificação proposta, deve-se saber que a atual redação é “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

Não se pode deixar de apontar a impropriedade da utilização do termo “jornada” quando se trata da duração semanal de seis dias de trabalho para um de descanso. Aliás, tal duração semanal (6x1) do trabalho possui origem bíblica: “Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu trabalho” (Gn 2:2).

De forma que a alteração proposta denominada popularmente de “fim da ‘jornada’ 6x1” pode se desmembrada em dois subtemas:

  1.  Redução do limite de duração semanal do trabalho de 44 horas para 36 horas;
  2. Ampliação do descanso semanal de 1 dia para 3 dias.

Analisando friamente o texto proposto, percebe-se um certo erro matemático, visto que se o limite diário é de 8 horas e limite de 4 dias trabalhados na semana, somente poderia resultar numa duração semanal máxima de 32 horas. Caso contrário dever-se-ia aumentar o limite diário para 9 horas.

Noutro ponto, a duração semanal do trabalho a 4 dias decorre de um movimento que começou em 2018, quando o neozelandês Andrew Barnes leu um artigo na Economist que dizia que os trabalhadores são produtivos entre uma hora e meia e três horas por dia.

Com a pandemia de Covid-19 o movimento ganhou força e a semana de quatro dias (internacionalmente conhecida como four-day workweek) vem ganhando espaço mundilmente, e países como Bélgica, Islândia, Nova Zelândia, Japão, Espanha, Reino Unido e Brasil já testam a duração semanal do trabalho de 4 dias.

No Brasil se tem notícia que as empresas Zee.Dog e Vockan já testam a semana de quatro dias. Sendo as justificativas para a adoção na nova jornada melhor qualidade de vida e redução dos níveis de estresse, gerando maior produtividade.

Contudo, a questão não é tão simples de implantação e aprovação, visto que é preciso enfrentar questões como:

  • Haverá redução do limite semanal de 44 horas?
  • Os três dias de descanso serão remunerados?
  • Haverá redução de salários proporcionalmente?
  • O limite diário de 8 horas será mantido?

Em relação à primeira questão, por exemplo, na Bélgica foi mantida uma duração semanal de 38 horas, de modo que o trabalhador condensa o trabalho da semana de quatro dias e pode trabalhar uma jornada superior a 8 horas. Países com Reino Unido e Espanha querem manter o limite de jornada às 8 horas diárias.

A Islândia, noutro ponto, testa a semana de quatro dias sem a redução da remuneração, o que pode gerar um aumento do custo de produção, caso a empresa necessite de mão de obra nos outros dias da semana, com contratação de novos empregados.

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Equipe durante um dia de trabalho. Crédito: Pixabay

Mas, por outro lado, caso haja a redução da remuneração do trabalhador, pode gerar a necessidade de buscar uma nova fonte de renda para subsistir, esvaziando a ideia de melhor qualidade de vida para o trabalhador.

É certo, ainda, que o descanso semanal vigente de um dia na semana, não obstante vigente no Brasil em decorrência da cultura cristã, somente teve base legislativa em 1943 no art. 67 da CLT, mas não era remunerado e somente passando a ser assim  a partir de 1949, com a Lei 604/49. Trazendo a questão se os outros dois dias de descanso criados com a semana de quatro dias serão, ou não, remunerados.

O tema não é simples, vivemos um momento de constante substituição de mão de obra humana por tecnologia (inteligência artificial e robotização), de modo que a adoção obrigatória da semana de quatro dias pode gerar um aceleramento da substituição da mão de obra humana, intensificando o já acelerado processo informalidade do trabalhador brasileiro, com aumento do desemprego formal e de mão de obra excedente, que pode gerar redução da remuneração média e precarização das condições do trabalho, com consequente necessidade de o trabalhador buscar uma segunda ocupação para manter rendimento mensal,  naturalmente tendo que trabalhar mais dias na semana.

Portanto, há necessidade de detalhado e profundo estudo sobre a modificação proposta para que a alteração do texto constitucional não gere um efeito inverso ao buscado.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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