A alardeada obra da Proposta Vista do Pátio que se diz abordar a restauração do Forte de São Francisco Xavier da Barra ou Forte de Piratininga de Vila Velha, iniciada com as reformas do forte para o evento Casa Cor, precisa ser discutida com a população e sem demora.
Nem toda intervenção em edificação histórica pode ser considerada restauração. Ao se intervir nesse tipo de edificação, deve-se, no mínimo, adotar fundamentos e preceitos da Teoria do Restauro contidos nas Cartas Patrimoniais e a legislação vigente.
As Cartas Patrimoniais são documentos elaborados por especialistas da área de patrimônio cultural com objetivo de orientar práticas e ações administrativas em torno da proteção aos bens culturais de interesse de preservação.
O Brasil é signatário de todas as cartas. A Carta do Restauro, de 1972, estabelece que obras de adaptação a novos usos devem se limitar ao mínimo, conservar “escrupulosamente as formas externas evitando alteração sensíveis das características tipológicas, da organização estrutural e da sequência dos espaços internos”. Diz ainda que todos os elementos constitutivos devem ter sua autenticidade preservada.
Roberto Bartholo, estudioso do tema, alerta sobre a importância da arquitetura militar. No artigo “As fortificações como sítios simbólicos de pertencimento” (2019), ele indica duas possibilidades: “A primeira é o fortalecimento dos vínculos, a segunda é sua perda. A afirmação do presente contra o restante do tempo é, também, uma luta por não perder a referência a uma fonte originária. (...) Bloquear essa possibilidade significa o descompromisso com a contemporaneidade. Perder essa referência é um descompromisso com a identidade”.
Afirmamos que há graves problemas conceituais, técnicos e legais na Proposta Vista do Pátio, que contrariam a Carta do Restauro citada e rompem com as relações vinculantes do forte, essas que são capazes de gerar afirmações identitárias do sítio onde o edifício está inserido.
Vamos aos fatos. O forte está inventariado pelo Plano Diretor Municipal de Vila Velha, o que lhe confere proteção legal. É situado no entorno do Convento da Penha e no Sítio Histórico da Prainha, o que exige aprovação do projeto pelos órgãos públicos, tais como Iphan e Conselho Municipal do Patrimônio Cultural. Devido à solicitação de tombamento federal do edifício, e seu proprietário, o Exército Brasileiro, ter sido notificado, o forte tem garantido seu tombamento em caráter provisório. E, ainda, qualquer proposta de intervenção no forte deveria contemplar Projeto Executivo de Restauração com Pesquisa Arqueológica.
Entendemos que a obra deve intervir minimamente na fortificação, atender sua reutilização adaptativa, sem apelos de urgência e momentâneos. Não há dúvidas, que tal proposta se baseia na glamourização dos espaços de memória, apaga a historicidade e a estética do edifício militar, assumindo para si um falso protagonismo. Entre perdas e danos, o protagonista é o edifício histórico. Ainda assim perguntamos: existe registro de aprovação do projeto pela PMVV? Caso contrário, é evidente a irregularidade da obra.
Em texto da Revista Sillogés (2022), Sônia Rampim, integrante do Iphan e Icomos, lembra que “o tema da valoração atribuída ao patrimônio é, portanto, fundante para o acesso às múltiplas narrativas e dimensões do patrimônio e basilar para uma investigação prospectiva sobre a participação social de agentes sociais nos processos de patrimonialização”. Neste caso não há múltiplas narrativas, nem a sociedade, nem os especialistas estão sendo ouvidos.
Se o patrimônio cultural de origem militar, diz Bartholo (2019), “não se restringem a elementos como muralhas, paredes (...)” mas é, também “oferta de um lugar de acolhimento à vida para influenciar o sentimento humano”: qual lugar, valor simbólico e vínculo identitário sustentam a proposta Proposta Vista do Pátio? Breve debateremos essas questões em evento do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Ufes, até lá!
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