No Brasil, as comunidades quilombolas têm seus direitos territoriais reconhecidos e protegidos pelo Estado – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), artigo 68 –, cabendo ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a responsabilidade de identificar, delimitar e titular as terras ocupadas por essas comunidades.
Para isso, foram estabelecidas regras e procedimentos a serem adotados e um deles é a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), principal documento do processo demarcatório quilombola. Ele contempla relatório antropológico, levantamento fundiário, memorial descritivo da área reivindicada e cadastro das famílias remanescentes.
Cabe ao Incra, antes de elaborar o RTID, identificar se a terra reivindicada pela comunidade quilombola se sobrepõe a áreas que estão sob posse ou domínio de terceiros. Em caso positivo, esses proprietários ou ocupantes devem ser notificados pelo menos três dias úteis antes do início dos trabalhos de campo. Além disso, quem tem a posse dos imóveis que são alvo da demarcação tem assegurada a participação efetiva no processo demarcatório, inclusive na produção de provas.
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Significa que proprietários ou possuidores de terras delimitadas pelo Incra, ou seja, as pessoas que têm a posse da área em questão, têm assegurada a participação ativa durante toda a fase de elaboração do RTID, permitindo a indicação de assistente técnico para acompanhamento dos trabalhos de campo e manifestação sobre os documentos elaborados pelo grupo técnico antes da análise e aprovação pelo Comitê de Decisão Final do Incra.
Em alguns poucos processos demarcatórios, já foi garantida a terceiros interessados (proprietários e possuidores das respectivas áreas) a efetiva participação na fase de produção do RTID, permitindo que apresentem e embasem suas argumentações previamente à aprovação do documento. No entanto, infelizmente, essa não é uma diretriz para a condução de todos os processos da mesma natureza.
A efetiva participação dos particulares desde o início do processo administrativo é indispensável para que o procedimento seja justo, equitativo e, principalmente, legal e legítimo, respeitando os direitos constitucionais de todos os envolvidos. Caso contrário, a validade do procedimento demarcatório quilombola será comprometida, em razão da insanável nulidade do RTID, em virtude da violação dos princípios do contraditório e ampla defesa.
Espera-se que o Incra, enquanto órgão de Estado, dispa-se de qualquer viés ideológico e zele pela legalidade de seus atos em processos demarcatórios, incluindo proprietários e possuidores na produção do RTID e na condução de todo o procedimento. Tal conduta certamente resultará em desfecho de melhor qualidade e menos sujeito a ações judiciais que possam ocasionar a postergação da conclusão dos processos administrativos, em prejuízo das próprias comunidades quilombolas.
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