No dia 14 de abril, o presidente Jair Bolsonaro enviou carta ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em que se comprometeu a colocar fim ao desmatamento ilegal no Brasil até 2030. Trata-se primeiro aceno do presidente para a promoção da tutela da qualidade do meio ambiente do país. O novo comportamento do chefe do Executivo nacional parece ser reflexo da cúpula climática, que ocorrerá nos Estados Unidos no próximo dia 22 e que é consequência de uma das principais bandeiras de Biden. A mudança de postura que é expressa na carta enviada por Bolsonaro esboça até a possível inclusão de entidades do terceiro setor, indígenas e comunidades tradicionais no debate da problemática ambiental.
No entanto, os acenos teóricos não parecem refletidos na prática do governo federal. Isso porque, no último dia 12, foi publicada a Instrução normativa (IN) n° 01/2021, que passa a reger o processo de fiscalização do Ibama e do ICMBio e que vem em substituição à já muito criticada IN n° 02 do ano anterior. A IN de 2020 praticamente paralisou a aplicação de multas por desmatamento na Amazônia, por se tratar de norma que beirava a impossibilidade de implementação sem reforma da estrutura técnica existente. Em outras palavras, havia um completo descompasso entre as previsões da IN e a estrutura dos órgãos ambientais de fiscalização.
Segundo informações da Lei de Acesso à Informação, a falta de capacitação para o novo procedimento previsto na norma resultou na foato de que apenas 5 audiências de multas fossem realizadas, das mais de 7 mil que haviam sido agendadas. A nova Instrução Normativa de 2021 poderia então, ao revogar a anterior, representar avanço na tutela ambiental brasileira. Mas não é o que se depreende da leitura da norma.
O exame da IN n° 01/2021 permite perceber que os aspectos deletérios da IN anterior não só foram mantidos como ampliados. Exemplo disso se dá já na parte introdutória da norma, quando são elaboradas suas definições. Sobre o que se entende por “Medida Administrativa Cautelar”, a nova definição é que, ainda que a fiscalização perceba o perigo iminente de dano ambiental, não pode agir em poder de cautela para evitá-lo, devendo atuar apenas quando já constatada infração consumada.
Outro exemplo de retrocesso foi a retirada da definição que previa que atividades de subsistência seriam passíveis de exclusão de embargos fiscalizatórios. Com a retirada de tais atividades desse rol, povos tradicionais podem ficar à mercê de uma realidade de fome. A mesma norma fala ainda sobre a maneira de dar ciência ao autuado, o que só poderá ocorrer por meio dos superintendentes, indicados políticos.
E, como mencionado, as disposições indesejáveis sob o prisma da melhoria da qualidade ambiental da IN revogada foram mantidas. Ressalta-se sobre isso que, conforme previsão da norma anterior, a retratação do infrator ambiental pode ser o bastante para extinção da multa ambiental. Em outras palavras, um pedido de desculpas já seria o bastante para afastar a aplicação de sanção por ato danoso ao ambiente.
Percebe-se, portanto, o descompasso entre o discurso público do governo federal e a efetivação normativa dele. O que se espera é que tais manifestações, que representam verniz de civilidade ambiental, sejam os primeiros passos rumo a integridade das condutas do Poder Executivo nacional sobre a proteção da qualidade do ambiente brasileiro e que a bonita teoria exposta na carta destinada ao presidente norte-americano harmonize-se com as práticas.
* Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta
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