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É auditor fiscal da Receita Estadual

Impactos socioeconômicos da reforma tributária para o Espírito Santo

Espírito Santo, por sua posição de arrecadação concentrada em setores ligados ao comércio exterior, industrial e atacadista, poderá ver sua receita reduzida

  • Bruno Aguilar Soares É auditor fiscal da Receita Estadual
Publicado em 06/12/2024 às 11h00

reforma tributária do consumo propõe uma reestruturação substancial no modo como os impostos são arrecadados no Brasil, particularmente, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência de estados e municípios. Essa mudança representa um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para Estados como o Espírito Santo, cujas receitas e economia podem ser fortemente afetadas por um modelo tributário que se descola do critério territorial de origem, focado na produção, e adota a perspectiva do destino para incidência da tributação, o que privilegiará o consumo.

Essa alteração para o princípio de destino, em que o imposto é cobrado no local onde o bem ou serviço é consumido, busca promover um equilíbrio regional na arrecadação e reduzir as disparidades entre estados produtores e consumidores, que foram esgarçadas com a guerra fiscal. Entretanto, o Espírito Santo, por sua posição de arrecadação concentrada em setores ligados ao comércio exterior, industrial e atacadista, poderá ver sua receita reduzida, já que grande parte da produção capixaba é destinada para fora e seu mercado interno não é tão expressivo. Em linha com estimativas que apontam que estados de menor porte, e com base populacional reduzida, podem enfrentar dificuldades para sustentar o crescimento econômico sem os incentivos fiscais vigentes.

Reforma tributária
Reforma tributária. Crédito: Getty Images

Para os Estados como o Espírito Santo, um dos pontos críticos da reforma será a dependência de compensações financeiras disponibilizadas pela União. Os fundos de compensação estabelecidos pela Emenda Constitucional nº 132/2023 pretendem auxiliar Estados que terão perdas durante o período de transição federativa da destinação do IBS, de até 50 anos. Essa compensação é condicionante para garantir a manutenção de serviços públicos essenciais e investimentos em infraestrutura e o desenvolvimento durante essa fase de adequação. Pois, segundo estudo elaborado pelo IPEA, sobre os impactos redistributivos da reforma tributária, nosso estado teria um crescimento estimado da receita menor do que o previsto para a média nacional.

Neste aspecto, a reforma também traz desafios significativos para os municípios capixabas. Conforme as projeções do mesmo estudo, apenas 40% dos municípios do Estado deverão registrar aumento de receita com a mudança da tributação, uma proporção inferior em comparação com outras regiões do país. Sendo que os demais, em especial os menos industrializados, poderão sofrer com a redução de receita, o que poderá aumentar a desigualdade econômica com a concentração de recursos nas áreas mais desenvolvidas. Essa situação, caso se efetive, poderá agravar as disparidades regionais já existentes, exigindo ações coordenadas do governo estadual para redistribuir de maneira equitativa os benefícios e mitigar os efeitos adversos da transição tributária para os municípios capixabas.

Ainda que a criação de fundos de compensação para estados com perdas relativas de arrecadação possa trazer um alívio orçamentário para adaptação gradual ao novo modelo. É fundamental o investimento estatal em infraestrutura, tecnologia e inovação como forma de modernizar suas cadeias produtivas e atrair novos negócios. A criação de medidas para atração de setores emergentes, como serviços digitais e energia renovável, pode tornar o Espírito Santo menos dependente de segmentos tradicionais e ajudar a diversificar sua economia em um contexto de reformulação de sua matriz produtiva, permitindo que o estado mantenha o controle fiscal necessário, com ajuste de suas finanças, e redefinição de estratégias de desenvolvimento socioeconômico a longo prazo.

Uma questão crucial a ser enfrentada nos próximos anos será a construção de um planejamento governamental dissociado dos incentivos fiscais, que foram estratégicos para o desenvolvimento e competitividade regional do estado. Com a eliminação dos benefícios atrelados ao ICMS previsto na reforma, o estado perde uma valiosa ferramenta de atração de investimentos, o que pode diminuir sua arrecadação em segmentos relevantes como industrial, atacadista e logística.

Por outro lado, espera-se que a propalada simplificação do sistema tributário possa reduzir custos operacionais e aumentar a competitividade das empresas locais, uma vez que, a diminuição de custos de conformidade fiscal é um fator preponderante para tornar o ambiente de negócios mais favorável e dinâmico. A reinvenção desses mecanismos de estímulo ao desenvolvimento, que poderão migrar da renúncia de receita para o investimento público-privado, deverá ser um dos pilares centrais na busca por alternativas inovadoras para fomentar o crescimento econômico capixaba nesse período de mares tributários revoltos.

Apesar dos desafios elencados, o Espírito Santo possui potencialidades intrínsecas para aproveitar as vantagens desse novo arcabouço normativo. O investimento em capacitação e qualificação da mão de obra será uma estratégia primordial para transformar o estado em um polo empresarial ainda mais promissor. A elaboração de um programa de capacitação voltado para trabalhadores e empresários pode ajudar na adaptação às novas regras fiscais, e preparar a população para ocupar postos de trabalho ou empreender em setores mais dinâmicos e em crescimento, como comércio exterior e serviços ligados a economia digital, ao mesmo tempo que minimizará impactos sociais negativos decorrentes das mudanças legais ou de mercado.

Ademais, a adaptação a um modelo tributário mais equitativo e de racionalidade alocativa de recursos demandará que o estado incentive práticas de desenvolvimento sustentável. A diversificação da economia capixaba e o fortalecimento de atividades menos dependentes dos incentivos fiscais, como o turismo e a economia verde, podem se tornar os novos motores de crescimento. A proteção ao meio ambiente, alinhada com os princípios de justiça tributária e eficiência fiscal, refletida em sua Nota A conferida pelo Tesouro Nacional, coloca o Espírito Santo em uma posição vantajosa para capturar investimentos de empresas comprometidas com práticas ambientais e sociais responsáveis.

Logo, a participação ativa da sociedade capixaba, por debates que promovam a transparência e a inclusão de todos os setores, será imprescindível para a construção de metas viáveis e duradouras, e que viabilizem um ambiente de negócios mais competitivo, sustentável e socialmente justo. Pois, caberá a todos nós – governo, empresas e cidadãos – trabalhar juntos para garantir que o Espírito Santo aproveite ao máximo os benefícios trazidos pela reforma tributária, superando os desafios e transformando o estado em uma referência de desenvolvimento socioeconômico para o país.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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