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É advogado tributarista e empresarial, sócio do escritório FurtadoNemer Advogados

Imposto sobre a distribuição desigual de dividendos é inconstitucional

A insegurança jurídica gerada por essa proposta terá impactos negativos no ambiente empresarial, desestimulando a formação de novas sociedades e a continuidade de negócios já estabelecidos

  • Samir Nemer É advogado tributarista e empresarial, sócio do escritório FurtadoNemer Advogados
Publicado em 30/08/2024 às 14h41

reforma tributária em curso no Congresso Nacional tem sido objeto de intensos debates e expectativas. Entre as propostas, uma em especial tem despertado preocupações no meio jurídico e empresarial: a possível incidência de transmissão e doação (ITCMD) sobre a partilha desigual de dividendos, previsto no relatório aprovado na Câmara dos Deputados sobre o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108.

Na prática, a situação que a norma busca atingir para tributar como doação (ITCMD) ocorre quando, por exemplo, o contrato social estabelece que o sócio A possui 50% das cotas sociais e o sócio B possui os outros 50%. No entanto, ao distribuir o lucro, A fica com 30% e B com 70%. De acordo com a proposta, essa divisão caracterizaria uma doação de 20% de A para B, pois A detém metade do capital social e teria transferido 20% do seu lucro para B. O sócio B, portanto, deveria de pagar Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre essa diferença, já que teria recebido uma doação de A.

Os dividendos representam a parcela do lucro líquido de uma empresa, distribuída entre seus sócios ou acionistas, de acordo com os critérios estabelecidos no contrato social ou estatuto. Nas sociedades, a divisão dos lucros pode ser ajustada conforme as necessidades e interesses dos próprios membros, não necessariamente respeitando o percentual de participação de cada um no capital social.

A proposta de incidência do ITCMD sobre a partilha desigual de dividendos se baseia na ideia de que essa prática configuraria uma doação entre os sócios, passível de tributação. Contudo, essa interpretação ignora a natureza jurídica dos dividendos e a autonomia contratual das sociedades.

A Constituição Federal assegura a livre iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica brasileira, sendo que esse princípio garante que as empresas detenham autonomia para organizar suas atividades da forma que melhor atenda aos interesses de seus sócios, desde que respeitadas as disposições legais.

Ao permitir que os sócios de uma sociedade estabeleçam livremente as regras para a distribuição dos lucros, a Constituição protege a liberdade de iniciativa e a autonomia privada. Qualquer tentativa de interferência estatal nessa dinâmica, por meio de novas tributações ou restrições, deve ser evitada, sob pena de violar esses princípios fundamentais.

Não por outra razão que a proposta de tributação do ITCMD sobre a partilha desigual de dividendos apresenta uma séria inconstitucionalidade ao avançar sobre a liberdade de iniciativa econômica. Nas sociedades, a decisão de dividir os lucros de maneira desigual não constitui um ato de liberalidade, mas sim uma manifestação de vontade coletiva dos sócios, que buscam a melhor forma de gerir os recursos da empresa. Não há, portanto, qualquer configuração de doação, que pressupõe a intenção de transferir um bem ou direito sem contrapartida.

Além disso, a regra do percentual de participação no capital social, que a proposta parece querer utilizar como critério obrigatório para a divisão dos lucros, não deve ser imposta de forma rígida e generalizada. Nas empresas, essa regra pode ser flexibilizada, de modo que a distribuição dos dividendos atenda às especificidades e acordos entre os sócios.

Lucro
Dividendos. Crédito: Freepik

Ao tributar a partilha desigual de dividendos como se fosse uma doação, o Estado estaria desvirtuando o conceito de doação e infringindo os direitos constitucionais dos sócios, ao impor uma restrição à sua liberdade de organizar e gerir a sociedade conforme suas próprias regras.

A insegurança jurídica gerada por essa proposta terá impactos negativos no ambiente empresarial, desestimulando a formação de novas sociedades e a continuidade de negócios já estabelecidos, além de criar um ambiente de incerteza, onde os sócios se veem obrigados a seguir regras que não correspondem à realidade de suas relações empresariais.

É fundamental que o Congresso Nacional, ao discutir a reforma tributária, tenha em mente a importância de respeitar os princípios constitucionais que garantem a liberdade econômica e a segurança jurídica, a fim de não comprometer o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda no país.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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