O desenvolvimento econômico de um país pressupõe a realização de muitos feitos evidentes. Melhoras nas escolas, pesquisa nas universidades, disponibilidade de crédito, investimento em infraestrutura, eficiência nos gastos públicos, segurança pública, interna e externa, entre muitos outros. Esses pontos são o lugar comum do progresso. Estão em programas de metas, propostas e ideias de governantes de direita e de esquerda, indistintamente. E também incutidos na mente do cidadão.
A questão é que, para além dessas propostas, há outros pressupostos ao progresso, ocultos, desconhecidos, talvez até impopulares, mas igualmente importantes para o desenvolvimento de um país: a cultura da segurança jurídica e da não intervenção nos contratos.
Não se trata de uma descoberta recente, moderna ou inovadora. Desde que o homem se reuniu em sociedade pela primeira vez, fê-lo na confiança, no valor do “aperto de mão”, na expectativa de valia do combinado entre as pessoas.
Sem a legítima expectativa de que as pessoas têm liberdade para firmarem acordos de vontade e que esses acordos, uma vez firmados, serão obedecidos e cumpridos fielmente, não se tem o progresso. Não se consegue realizar grandes feitos, que dependem sempre da colaboração entre diferentes indivíduos.
No Brasil, foi-nos vendida a ideia errada de que a reinante injustiça social justificaria o rompimento — falou-se até em superação — desse estado de coisas. O combinado e acordado entre as partes só teria validade se atendesse ao valor social dos contratos. Sem que tal valor fosse muito bem esclarecido, o Direito conferiu um “cheque em branco” aos advogados, juízes, promotores, para que questionassem e interviessem nas relações contratuais, todas as vezes que as julgassem — como base nos seus próprios valores — injustas e inadequadas.
Contratos públicos e privados, ainda que firmados em linguagem inequívoca, não mais passaram a ser garantia de que as obrigações acordadas seriam, de fato, aquelas a serem cumpridas. Passou a existir um risco intrínseco: de alguma das partes, ou mesmo de um terceiro, agente estatal portador do título de defensor da “sociedade”, para que passasse a olhar retroativamente para o que foi combinado, projetando no acordo seus próprios valores de justiça e bem comum, para modificar as obrigações.
Curiosamente, essa busca pela justiça acaba por gerar um estado geral injusto. A partir do momento em que o próprio direito enfraquece o pacto de vontade das partes, as partes perdem a credibilidade no instrumento, e se retratam em contratar. Menos contratos e menos investimentos, carece a circulação de mercadorias e serviços. Com isso, menos produção de riqueza. Resultado: uma sociedade que continua pobre.
A pobreza e o subdesenvolvimento se alimentam dos contratos não firmados. E mais: há também uma riqueza enorme que se deixa de criar, quando, liberada a intervenção, multiplica-se a judicialização dos conflitos, e os contratantes, ao invés de direcionarem suas energias totais na execução do que foi combinado, passam a desviar suas forças para processos judiciais e administrativos, advogados, burocracia, e todos os custos inerentes à cultura da insegurança.
Todos esses custos adicionais são incorridos pelos contratantes, que por sua vez os repassam para a sociedade, deixando mais caros os produtos e serviços que prestam, desde uma máquina de lavar até a construção de uma rodovia. Adicionalmente, a Justiça passa a impor fardo pesado à sociedade brasileira, agigantando-se para atender à demanda crescente, consumindo 4 % do PIB, e mais outros muitos por centos com procuradorias, ministério público, defensorias, Procons e similares.
Há um passivo oculto de insegurança jurídica no Brasil. E embora tenhamos tido recente progresso legislativo na matéria, com a edição de leis e decretos que ressalvam a necessidade de observância do acordo de vontades (e.g. decreto 9.830/19), é preciso mudar também as pessoas, convencer corações e mentes, por fatos e provas, que existe um valor intrínseco de justiça social no respeito aos contratos. Uma revolução cultural, do bem, pela segurança jurídica.
O autor é advogado, especialista em concessões
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