A globalização tem produzido, cada vez mais, uma interconexão crescente entre os países. Barreiras econômicas, geográficas ou legais que antes impediam o contato e a realização de transações entre pessoas de diferentes partes do mundo têm desaparecido em razão de tecnologias que permitem comunicação instantânea, facilidades de viagens e transações financeiras eletrônicas.
Por um lado, esse novo cenário traz benefícios envolvendo aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais para as pessoas e para os países. Por outro, no entanto, o fenômeno da globalização tem viabilizado a expansão das atividades criminosas mundo afora.
Tráfico de drogas, de pessoas, de animas, crimes cibernéticos, exploração sexual de crianças e adolescentes, terrorismo e lavagem de capitais são apenas alguns exemplos de crimes praticados por grandes organizações criminosas que têm atuado globalmente, dentro e fora dos limites de seus países originários.
Diante dessa realidade, a cooperação internacional se destaca como uma das principais ferramentas de combate ao crime transnacional. A troca de informações e a atuação em regime de cooperação são medidas fundamentais para que as polícias dos mais diversos países do mundo consigam cumprir a árdua missão de propiciar segurança pública eficiente, impedindo a proliferação das organizações criminosas.
Nesse cenário, a Interpol (International Criminal Police Organization) surge como uma importante aliada dos 196 países que compõem essa grande organização internacional, que tem entre suas atribuições o fomento à cooperação policial e o suporte em investigações, acesso a bancos de dados e treinamentos.
Fundada em 1923, a Interpol sempre foi, nesses mais de cem anos, gerida por europeus ou americanos. Essa realidade, no entanto, pode mudar em breve. Ainda neste mês de junho o Comitê Executivo da Interpol se reunirá para escolher quem será o Secretário-Geral da Interpol pelos próximos cinco anos.
Entre os candidatos, o delegado da Polícia Federal Valdecy Urquiza, diretor de Cooperação Internacional da Polícia Federal, tem a chance de, se eleito, revolucionar as ações dessa importante organização, impactando de forma positiva a segurança pública de países dos cinco continentes.
Importante deixar claro que não se trata de defender um nome por sua nacionalidade ou por sua sólida carreira e vasta experiência (atributos que o delegado Urquiza efetivamente apresenta). Cada país traz consigo vantagens e desvantagens que poderão impactar o modelo de gestão que será implementada pelo próximo Secretário-Geral da Interpol. Geografia, cultura, língua, países vizinhos, tipo de criminalidade a que o país está mais sujeito são apenas algumas variantes que têm potencial de influenciar decisões e diretrizes que a organização seguirá.
É possível afirmar, assim, que os 196 países membros da Interpol têm muito a ganhar com a eleição de um brasileiro. O fato de nos últimos 100 anos a Interpol ter sido conduzida por europeus ou americanos limita a visão do gestor à realidade dos países do norte. A diversidade é salutar, não apenas pela necessidade óbvia de que uma instituição composta por inúmeros países vivencie múltiplos ciclos, mas também pela realidade dinâmica e variada da criminalidade transnacional moderna.
Apenas a título de exemplo, vale mencionar a influência global de uma organização criminosa como o PCC (Primeiro Comando da Capital). Fundado em 1993, em São Paulo, o PCC conta atualmente com cerca de 42 mil membros batizados, em cerca de 24 países. Sua rede de distribuição de drogas alcança os 5 continentes e mantém laços com grupos criminosos como o clã Saric, da Sérvia, e a Ndrangheta, da Itália.
O PCC tem um faturamento estimado em cerca de 1 bilhão de dólares por ano. Fácil perceber, portanto, que uma organização como essa impacta a segurança pública de inúmeros países ao redor do mundo.
O mesmo acontece com outras organizações criminosas sediadas em países fora da rota EUA/Europa, como o MS 13, de El Salvador, os cartéis (como o de Sinaloa) do México, ou o ELN (Ejército de Liberación Nacional), da Colômbia, que, muito embora tenham sua origem em países da América do Sul e Central, espalham violência e inúmeras formas de crimes mundo afora.
Fácil perceber, portanto, que combater de forma eficiente a criminalidade transnacional é uma missão cada vez mais desafiadora. O papel da Interpol, nesse cenário, é crucial, e a eleição de um novo secretário-geral pode ser uma grande oportunidade para as instituições policiais e países associados.
Conhecer o mecanismo da criminalidade em países como o Brasil pode ser um grande diferencial na condução e na adoção de medidas inovadoras que podem contribuir para gerar mais segurança aos países associados.
A Interpol tem um século de existência e de grandes serviços prestados à cooperação policial internacional. A eleição será uma oportunidade ímpar para demonstrar que a organização está conectada com os desafios do futuro e com as necessidades da sociedade.
Diversidade, inovação e multiculturalismo são características imprescindíveis. Vamos acompanhar e torcer para que a Interpol não deixe passar uma oportunidade como esta. Pode ser que a próxima demore mais um século para aparecer!
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