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É advogado e doutor em Direito

Lei boa, ambiente ruim: por que o Código de Trânsito Brasileiro não é educativo

Se o infrator fosse autuado logo após infração, teria o poder público a multa (que está mantida, pois conteúdo educativo não isenta da multa), mas, principalmente, o efeito da consciência imediata da infração

  • Luiz H. A. Alochio É advogado e doutor em Direito
Publicado em 28/08/2024 às 14h58

Mais uma tragédia traz à tona a questão da legislação de trânsito. Como advogado, vivenciei o nascimento do Código de Trânsito em vigor. O ano era 1997. Naquele ano nasceu a Lei Federal 9503, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Em termos gerais, uma lei bem redigida. Aliás, ousaria dizer, uma legislação adiante de seu tempo, especialmente – e isso desagradará ao leitor – uma lei desfocada do mau ambiente onde seria aplicada: um país onde todo mundo quer “direito”, mas não quer “deveres”. E onde falta educação. Essa ausência de educação cívica não é só contaminante da população. Espraia-se para os poderes públicos também. É como se o “modo de pensar” de todos já estivesse contaminado.

O Código de Trânsito, pode-se dizer, estava à frente de seu tempo, mas num país errado. Vejamos um exemplo. O artigo 280, VI da lei exige a assinatura do infrator, sempre que possível, para que os autos de infração tenham validade. Isso não era uma “frescura”. O ato infracional de trânsito ocorre durante uma tarefa corriqueira: dirigir. Depois de 30 ou 60 dias, se chegar uma multa de trânsito emitida por um “radar”, o condutor nem sequer lembrará se aquilo ocorreu. Poderá pagar a multa, mas o conteúdo educativo dela desaparece.

Se o infrator fosse autuado logo após infração, teria o poder público a multa (que está mantida, pois conteúdo educativo não isenta da multa), mas, principalmente, o efeito da consciência imediata da infração. E essa consciência imediata da infração atrai o conteúdo pedagógico, educativo, pretendido pelo código, pois a noção do ato infracional estará presente de forma indesculpável.

Eis, porém, a questão: o conteúdo pedagógico cedeu lugar aos contratos. Sim. Os contratos de locação de radares, de “pardais” e lombadas eletrônicas, até mesmo de semáforos. A população, inocente, acredita que essas instalações são para nossa segurança. Não são. São para gerar contrato! Não vão gerar resultado educativo nenhum. Podem gerar receita. Mas não o resultado pedagógico desejado pela lei.

Não precisar colher a assinatura do infrator foi ótimo para os órgãos de fiscalização. Poupou-lhes o trabalho de autuar o infrator. Hoje, praticamente 100% das multas não são assinadas pelo infrator, bastando as justificativas mais variadas. Uma multa por “estacionar em faixa de pedestre” com a justificativa “impossível abordar”. Impossível por quê? E aquela justificativa: “evadiu-se à autuação”?

Avanço do sinal vermelho tem números críticos na Grande Vitória
Avanço do sinal vermelho tem números críticos na Grande Vitória. Crédito: Fernando Madeira

E o pior: tudo isso validado pelo Poder Judiciário, que aplica, de forma muito fácil, a alegação da “presunção de legalidade e validade do ato administrativo”. Tudo isso diante da omissão dos órgãos de controle, que não foram buscar saber por qual razão quase a integralidade dos autos de infração não contém assinatura.

Será que todo condutor evade da autuação? O mais engraçado: evadir-se à fiscalização é uma infração de trânsito. Por qual motivo não há multas por esse motivo, mesmo quando esse motivo é dado para não colher a assinatura do infrator que, por exemplo, furou o sinal vermelho?

O Brasil perdeu quase 30 anos relegando a um terceiro plano o objetivo pedagógico, educacional, previsto no Código de Trânsito. Se lermos a lei, expressões como “pedagógico”, “educação” ou “educativo”, quando somadas, aparecem dezenas de vezes. Não foi por mera coincidência. Mas, quem sabe, exigir educação, no Brasil, seria pedir demais.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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