A chamada “pejotização”, diversas vezes mal interpretada pela Justiça do Trabalho, em alguns casos, é admitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que vem gerando inquietação para os que atuam no direito do trabalho, especialmente magistrados.
Inúmeros são os casos julgados pela justiça trabalhista em que o autor da ação pleiteia o reconhecimento de vínculo de emprego com empresa onde exerce ou exerceu suas atividades mediante contrato de prestação de serviços ou outra forma de contratação não celetista, mesmo o autor da ação sendo sócio da empresa contratada para essa prestação de serviços e tendo total capacidade intelectual e financeira para distinguir um vínculo de emprego de um contrato de natureza cível/comercial.
E esse reconhecimento de vínculo, quando ocorre, impõe à empresa que, de boa fé, contratou os serviços terceirizados, o pagamento de todas as verbas trabalhistas supostamente sonegadas no curso do contrato, tais como FGTS, férias, 13º salário, contribuições previdenciárias, dentre outras. Não é raro que o valor estipulado pela justiça trabalhista alcance milhares ou até mesmo milhões de reais.
Veja que aqui não se está discutindo os casos em que há coação do empregador, no intuito de fraudar o contrato de trabalho e reduzir custos. Casos estes em que o empregado se vê obrigado a constituir uma empresa para prestar seus serviços. Discute-se os casos em que as partes, de forma livre e negociada, optam por celebrar um contrato de natureza cível/comercial em detrimento de um contrato de natureza trabalhista.
Ora, é inegável que a legislação brasileira permite a terceirização de serviços através de contratos cíveis, mesmo quando a empresa terceirizada exerce a mesma atividade da tomadora de serviços. Inclusive, o assunto foi questionado no STF que, em 30 de agosto de 2018, julgou o RE 958.252 e a ADPF 324, onde restou fixada a tese com repercussão geral no seguinte sentido: é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Como muito bem destacou o ministro Roberto Barroso em um de seus muitos julgamentos sobre a “pejotização”, "o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho. Um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade ou maior autonomia. Desse modo, são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, parceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização)...”
Com base nesse e em outros julgamentos, o STF vem frequentemente cassando as decisões da justiça do trabalho que, de forma no mínimo irresponsável, quase que invariavelmente, apenas aceita o vínculo de emprego como forma de relação entre trabalhadores e empresa.
Ocorre que esse sopro de bom senso vindo do STF vem causando muito incômodo, especialmente a promotores, juízes, desembargadores e ministros do TST, que vêm se manifestando publicamente contra as decisões da Suprema Corte, na tentativa de sensibilizar os ministros do Supremo para que revejam seu posicionamento.
Recentemente, inclusive, divulgaram uma carta aberta “em defesa da atuação da justiça do trabalho”, sobretudo quanto à prerrogativa de “identificar e condenar os casos de fraudes trabalhistas”.
Não parece razoável o argumento de que o STF vem usurpando prerrogativas da justiça do trabalho. O Judiciário trabalhista deve inibir os casos de fraudes trabalhistas, condenando maus empresários que se utilizam de maneira ilegal da “pejotização”.
Mas cabe sim ao Supremo, nos termos da Constituição Federal, impor limites a todo e qualquer órgão que não observar os preceitos legais e as determinações emitidas pelo próprio STF, sem que isso signifique qualquer interferência ou ingerência na justiça do trabalho.
Espera-se que o STF continue firme em seu propósito de colocar limite à outrora ilimitada Justiça do Trabalho, que teima em não reconhecer a evolução das relações de trabalho, da sociedade e das próprias leis trabalhistas.
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