Decisões judiciais, e-mails corporativos, matérias jornalísticas, cartazes de condomínio, contratos de produtos financeiros, editais de concursos públicos... A escrita extremamente formal, muitas vezes recheada de termos técnicos, está em todo lugar. Mas já há muitas décadas, existe um movimento que quer mudar essa realidade para garantir que todas as pessoas tenham o direito de compreender comunicações destinadas a elas: a linguagem simples.
Hoje, 13 de outubro, é celebrado o Dia Internacional da Linguagem Simples. A data foi criada em 2010. Mas lá em 1940 já existiam correntes nos Estados Unidos e na Inglaterra que defendiam comunicações oficiais mais claras para que houvesse uma aproximação efetiva entre o Estado e os cidadãos.
No entanto, ainda existem algumas confusões sobre os benefícios desse conjunto de técnicas de escrita, que inclui, por exemplo, escrever no sentido literal, usar destaque em palavras importantes, evitar muitas vírgulas e dar preferência a palavras do dia a dia. Uma delas é de que a linguagem simples serve apenas para beneficiar pessoas menos escolarizadas e que, portanto, a escrita direcionada a pessoas de alta renda e mais estudadas pode continuar sendo burocrática, poluída, longa e enfadonha.
Apesar de decrescentes, de fato ainda temos números alarmantes de analfabetismo no nosso país. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados em junho de 2023, temos cerca de 9,6 milhões de pessoas que não sabem ler e escrever. Já os analfabetos funcionais, que são pessoas que possuem limitações para ler, escrever e fazer operações matemáticas simples, podem somar 60 milhões de brasileiros, segundo dados do Inaf (Indicador de Analfabetismo Funcional).
Esse número gigantesco de pessoas realmente tende a ser bastante beneficiado com o uso da linguagem simples. O mesmo vale para pessoas com deficiência intelectual. Isso porque quando evitamos abreviações e siglas, figuras de linguagem, palavras estrangeiras, e etc, estamos ajudando portadores de Síndrome de Down, por exemplo, a compreender a comunicação.
O que também precisa ficar mais claro é que isso não é um favor a essas pessoas. Trata-se de algo garantido pela Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. O Brasil, inclusive, lançou um guia em junho deste ano após emplacar resolução sobre o tema em dezembro de 2022 durante uma conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) em Nova Iorque.
Na relação entre empresas e pessoas não é muito diferente. O artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor determina informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços. Ao usar linguagem simples em sites, aplicativos, contratos e e-mails, as empresas evitam não só altos custos com suporte para o consumidor em dúvida, mas também com indenizações.
Como se pode ver, escrever de forma simples é algo que gera benefícios universais, independentemente de escolaridade, condição ou classe social. E isso tem uma explicação inclusive biológica. Ao darmos preferência a escrever textos simples, com palavras do dia a dia, estamos demandando menos carga cognitiva do nosso leitor. Ou seja, menos energia dessas pessoas para processar informações num curto espaço de tempo.
Assim que lemos uma palavra, nosso cérebro começa a tentar processar aquela informação, buscando na nossa bagagem de vida, individual e coletiva, um sentido para o que foi lido. Essa comunicação só vai existir de fato se o sentido proposto por quem escreveu e o sentido atribuído por quem leu for o mesmo. Por isso, usar palavras familiares do dia a dia é um ótimo recurso.
Felizmente, a linguagem simples tem sido bastante abraçada ultimamente e o setor público, por incrível que pareça, tem se destacado e colhido resultados dos mais interessantes.
Estudo do Banco Central divulgado em outubro de 2022 mostra que faturas que usam linguagem simples diminuem o endividamento das pessoas por ajudá-las a tomar a melhor decisão de pagamento.
Já a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que cobra dívida ativa dos contribuintes e seus representantes, viu a arrecadação crescer quando passou a evitar linguagem rebuscada, siglas e jargões em suas cartas de cobrança. Isso significa que as pessoas estão entendendo melhor o que aquela comunicação significa e qual ação deve ser tomada. O resultado foi divulgado em agosto deste ano pela Folha de São Paulo.
Além de cursos para servidores e cidadãos em geral, vários Estados Brasileiros também têm investido na linguagem simples. Os governos de Minas, Ceará, Rio Grande do Sul e Goiás se destacam no tema.
Vida longa à linguagem simples e que cada vez menos decisões judiciais precisem virar matéria jornalística apenas por cumprirem um requisito básico: serem compreensíveis por todas as pessoas.
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