Lula está de volta ao jogo. Não que em algum momento ele o tenha deixado. Mas a decisão do STF que devolveu sua elegibilidade mexe com o cenário político da eleição de 2022 e alimenta a direita.
Há poucos meses, Jair Bolsonaro – parece que num arroubo de vidência, mas não: eram as pesquisas de opinião – percebeu que se não se aproximasse do centro, suas narrativas, que já não vinham fazendo sentido para o setor produtivo e o mercado, perderiam ainda mais força. O primeiro passo foi abrir espaço no governo para os partidos do centrão. O segundo, abraçar a candidatura de Arthur Lira (PP), eleito presidente da Câmara. Como estratégia paralela, Bolsonaro adotou um tom mais modernado, pero no mucho, em seus discursos: diminuiu a agressividade, suavizou a linguagem (mas não a imagem).
Ao se tornar um player totalmente competitivo para 2022, o ex-presidente fortalece o discurso do atual. Tudo que Bolsonaro precisa neste momento é de um inimigo para duelar e crescer. No mundo de extremos ideológicos que vivemos, a direita precisa da esquerda e vice-versa. Uma nutre a outra. Elas se retroalimentam. É a Síndrome de Estocolmo, um estado psicológico em que vítima e agressor se tornam dependentes um do outro. No caso desse duelo de titãs, é preciso escolher quem é a vítima e quem é o agressor ou, em uma inédita releitura da síndrome, teríamos dois agressores.
O desafio do centrão será tornar-se uma terceira via forte. Acontece que, historicamente, o Brasil sempre aplaudiu e vibrou com os polos. Foi o PT quem jogou o PSDB para o campo da centro-direita. O partido, que tem socialista no nome, nasceu como apêndice do MDB. Depois disso, não houve espaço para o crescimento de uma terceira via. A que mais próximo disso se aproximou foi Marina Silva, na campanha de 2014, e sucumbiu à polarização entre Dilma Rousseff e Aécio Neves.
Qual Lula será candidato em 2022? Muitos apostam na persona radical de 1989 ou naquela que discursou em São Bernardo do Campo às vésperas de ser preso, em 2018. Eu não teria tanta certeza assim. Lula é um camaleão político e se veste como quer. A presença dele no cenário eleitoral empurrará, cada vez mais, Bolsonaro para o abraço à agenda populista que já assumiu.
E o centrão? Bem, o centro tem nomes como Luiz Henrique Mandetta, João Doria, Eduardo Leite, Luciano Huck e Sergio Moro. E, se quiserem se tornar fortes o suficiente para furar a bolha da polarização, terão de escolher uma figura que represente os chamados “40% nem-nem”: aqueles que não são nem Lula, nem Bolsonaro. E construir uma narrativa muito mais convincente do que o frágil pensamento “o Brasil está além de Bolsonaro e Lula”, grafada quase que instantaneamente após a decisão que liberou Lula, por figuras como Huck e Doria.
O brasileiro sabe que há outros caminhos a percorrer, só que ele precisa ser convencido de que essa outra via é capaz de convergir os mais divergentes pensamentos. Esse é o desafio. Enquanto o centro, autofágico, se consome, os titãs seguem no duelo de narrativas ideológicas, que, embora sangrento, os mantém vivos.
O autor é jornalista e consultor político especializado em imagem e crise
* Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta
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