É sempre esperada a presença da religião durante o carnaval. Tanto nos enredos das escolas de samba ou nas fantasias lúdicas, as expressões da fé comumente reaparecem. Não seria diferente este ano. Todavia, fomos surpreendidos na famosa folia baiana por um assunto muito específico das discussões em escolas dominicais das igrejas ou debates particulares: o arrebatamento.
Em pleno carnaval de Salvador, Baby do Brasil, no bloco comandado por Ivete Sangalo, disse que “nós entramos no apocalipse” e “o arrebatamento tem tudo para acontecer em 5 ou 10 anos”. Sem entender nada, a cantora baiana, dentro das categorias que lhe eram acessíveis, respondeu com um tipo de “contramaldição”, comum em contextos de batalha espiritual: “Eu não vou deixar acontecer, porque não tem 'apocalipse' certo (?) quando a gente maceta o apocalipse”.
Por mais estranho que esse diálogo aparenta ser, aponta para duas coisas: (1) a fala de Baby representa a compreensão de muitos evangélicos; (2) a difusão de temas específicos dos evangélicos na cultura brasileira.
Entre as discussões mais populares sobre final dos tempos, é comum falar em apocalipse como se tratasse da destruição futura e volta de Jesus. A disputa nas igrejas é se tal volta e rapto dos seguidores de Cristo para o céu acontecerá antes, no meio ou depois de um tempo de grande sofrimento no mundo, chamado de “grande tribulação”.
Sob a influência do evangelicalismo americano e filmes como “Deixados para trás”, os quais serviram de combustível para pregações e músicas, o arrebatamento faz parte da crença de muitos evangélicos, especialmente entre pentecostais-carismáticos e neopentecostais.
A ex-integrante do histórico grupo Novos Baianos, quando marca esse evento para cinco ou dez anos, está representando a ala mais radical dos que se apegam à escatologia tradicional — uma parte pequena e sectária, pois a maioria dos evangélicos não concordaria com esse tipo de datação.
Por outro lado, estamos diante de um fenômeno recentíssimo. Os dados nos mostram que o número dos evangélicos tem crescido aceleradamente. Isso, obviamente, dará visibilidade a certos assuntos religiosos — alguns deles ainda desconhecidos pelos “não crentes”, especialmente por meio de famosos convertidos com voz midiática.
É nesse contexto que veremos as narrativas evangélicas em sua multiplicidade. Baby mostrou à multidão, para o espanto de Ivete, um recorte teológico bem popular, com traços triunfalistas e fatalistas, cujas marcas dão tons ameaçadores à visão de mundo dos evangélicos, esta sob a tutela da leitura literalista e não acadêmica do apocalipse, ou melhor, da escatologia (doutrina das últimas coisas).
Esse tipo de discurso evangélico a artista baiana preferiu macetar.
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