No dia 27 de março, começou o prazo para adesão ao novo Programa de Parcelamento de Débitos Fiscais do Governo do Estado do Espírito Santo, criado pela Lei 11.785/2023. Popularmente conhecido como Refis, o programa tem por objetivo “a regularização de débitos fiscais relacionados com o ICM e o ICMS, suas multas e juros” com fatos geradores ocorridos até 31/07/2022 através da concessão de benefícios que englobam descontos que variam de 75 a 100% sobre juros e multas e parcelamento em até 180 prestações.
Como diz a cartilha recentemente divulgada pela Sefaz/ES com orientações para adesão ao programa, ele é “amplo” e não prevê qualquer tipo de restrição quanto à condição econômica do devedor. A intenção, ainda de acordo com o site da Secretaria de Fazenda, é dar “mais condições de sobrevivência às empresas que ainda sentem os reflexos negativos na economia ocasionados pela pandemia da Covid-19”.
A intenção é nobre, ninguém há de negar. Mas a forma como foi concretizada reforça um velho e danoso efeito bastante comum aos programas de parcelamento do tipo Refis: o estímulo ao inadimplemento tributário por meio da concessão de benefícios fiscais a contribuintes que, deliberadamente, deixam de pagar tributos ou que possuem condição econômica de quitá-lo sem qualquer tipo de benefício.
Ao permitir que todo e qualquer contribuinte com dívida de ICMS adira ao programa e pague a dívida com desconto, o governo do Estado beneficia não apenas aqueles que ainda sofrem com os efeitos negativos da pandemia, mas também os que, ao contrário, podem ter se beneficiado dela. Vale lembrar que alguns agentes econômicos - como os da área de saúde, os aplicativos de delivery, as empresas de e-commerce e de logística - tiveram grande expansão durante o período da pandemia e, mesmo não experimentando as mesmas dificuldades econômicas que a maioria dos contribuintes, poderão usufruir de idênticas condições ao aderirem ao programa.
Em outras palavras, da forma como instituído, o Refis do governo do Estado acaba representando um instrumento de injustiça fiscal, na medida em que trata, igualmente, contribuintes que possuem capacidades de pagamento diferentes.
A verdade é que a fórmula do Refis - tão comum, inclusive, no âmbito do governo federal até alguns anos atrás - vem se tornando ultrapassada desde que o instrumento da transação tributária passou a ser implementado no âmbito da União, com a promulgação da Lei nº 13.988/2020.
Por meio da transação, é possível atingir o mesmo objetivo de uma forma bem mais justa do ponto de vista fiscal, já que um de seus princípios orientadores é a capacidade de pagamento do contribuinte. Assim, para fazer jus aos benefícios da transação no âmbito federal - que também envolvem descontos e parcelamento - o contribuinte deve comprovar que teve a queda no seu faturamento/receita e que, em função disso, não tem condições de quitar integralmente a dívida.
Desde o advento da pandemia, foram várias as iniciativas do governo federal para socorrer as empresas com dificuldades financeiras por meio da transação. Todas estabeleceram, como um dos requisitos de adesão, a capacidade de pagamento do contribuinte, “considerando o impacto da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19) na capacidade de geração de resultados da pessoa jurídica ou no comprometimento da renda das pessoas físicas” (artigo 3º, §2º, da Portaria PGFN nº 14.402/2020).
A última delas, prevista no Edital PGDAU nº 2/2023, mantém a mesma lógica ao vincular a possibilidade de concessão de descontos apenas aos créditos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação, seguindo classificação estabelecida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Dito de outra forma, se o contribuinte não sofreu redução em sua capacidade de pagamento em razão da pandemia de Covid ou se ele tem total condições de quitar sua dívida em seu valor original, ele não poderá obter descontos, podendo, no máximo, pleitear um parcelamento.
O Estado de São Paulo também vem fazendo opção pelo instrumento da transação como forma de regularização fiscal desde que foi autorizada pela lei estadual nº 17.293/2020. De lá pra cá, foram publicados seis editais pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo veiculando propostas de transação, todas elas vinculadas a certo perfil de contribuinte (empresas em recuperação judicial ou EPP e ME) ou ao grau de recuperabilidade da dívida.
Isso porque o artigo 54, inciso VI, daquela lei, condiciona a concessão dos benefícios de desconto e/ou parcelamento da dívida ao seu grau de recuperabilidade, que leva em consideração, entre outras coisas, “a capacidade de solvência do devedor”.
Portanto, passou da hora de o governo do Estado do Espírito Santo lançar mão da transação tributária como instrumento de regularização fiscal para contribuintes em situação de dificuldades financeiras (em razão da pandemia ou não). Os resultados extremamente positivos das experiências dos governos federal e do Estado de São Paulo mostram que é possível socorrer os contribuintes necessitados sem estender benefícios a quem não precisa e, principalmente, a quem faz do inadimplemento tributário uma forma de financiamento ilícito das suas atividades, prejudicando não só os cofres públicos, mas também a sociedade e a livre concorrência.
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