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É diretora executiva da Transparência Capixaba

“Minha avó foi pega no laço”: frase sobre povos indígenas não é motivo de orgulho

O fetiche sobre os corpos das mulheres indígenas enquanto objeto de posse e propriedade ainda existe depois de mais de 500 anos do tal “Descobrimento do Brasil”

  • Adila Damiani É diretora executiva da Transparência Capixaba
Publicado em 19/04/2023 às 12h25
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Mulheres indígenas: nossa historia foi contada a partir das dores dessas mulheres. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A comemoração do Dia dos Povos Indígenas neste 19 de abril nos leva a uma reflexão sobre a origem da violência contra as mulheres em nosso país. Conhecer a realidade dos povos originários para muitos brasileiros ainda é distante, conhecida apenas pelos noticiários da TV.

Ao visitar a história do Brasil conhecemos as lutas das mulheres em tempos longínquos, sendo que desde o início foi marcada pela violência.

A nossa historia foi contada a partir das dores dessas mulheres, em especial as indígenas e pretas. Necessário se faz não esquecermos essa história para podermos olhar de frente para nosso passado, aprendermos com ele e construirmos um futuro pautado no respeito às mulheres, que também contribuíram para a potência que é nosso país, mas permanecem renegadas em seu papel de tamanha importância.

A reconciliação com a história perversa e transparência real dos fatos só acontecerá quando o povo brasileiro absorver efetivamente que o Brasil foi construído sobre o genocídio, violência sexual e feminicídio ao longo dos anos. Apenas dessa forma saberemos lidar sobre a verdadeira história da célebre frase “minha avó foi pega no laço”. Por trás dessa afirmação, que muitas vezes enche de orgulho os descendentes dos indígenas pelo desconhecimento, está a herança violenta dos colonizadores com sequestros e estupro das mulheres indígenas romantizadas pela literatura brasileira.

Então ser “pega no laço” não pode ser motivo de orgulho para nós brasileiros e sim motivo de resistência contra a violência por todas as mulheres brasileiras em especial as que compõem grupos minoritários. Na vida moderna, ser “pega pelo laço” pode ser comparado à mulher sendo amarrada, ou ter uma arma em sua cabeça ou até mesmo o homem usar sua força física para obrigar a mulher a acompanhá-lo e conviver com seu opressor, condenada a viver na esperança de um dia ser resgatada por seus familiares.

O fetiche sobre os corpos das mulheres indígenas enquanto objeto de posse e propriedade ainda existe depois de mais de 500 anos do tal “Descobrimento do Brasil”, como se estivessem à disposição de servir os homens brancos como vimos recentemente nas yanomamis grávidas de garimpeiros que foram trocadas por comida.

O desejo pelo domínio dos corpos das mulheres indígenas e também das negras se faz presente no imaginário cultural e social dos machões que tem por objetivo apenas reforçar sua condição dominadora de mulheres indefesas.

Como podemos mudar e evitar que mulheres ainda em tempos modernos sejam “pegas no laço”? Conhecendo, aprofundando e disseminando a cultura dos povos indígenas que fortalecem a nossa própria identidade e empoderando as mulheres indígenas atuais. Reconhecer a essência dessas mulheres acaba se tornando um processo de cura pelas dores sofridas por elas no processo doloroso de colonização e exploração atual de suas terras.

Ao amplificar as vozes e lutas diárias das mulheres indígenas, atuamos para uma maior representatividade na sociedade brasileira e defesa seus direitos. Indigne-se ao ouvir que sua ancestral foi “pega no laço” e essa ter feito parte da triste estatística no início de nosso país da violência contra as mulheres. E mesmo não sendo uma mulher indígena não se permita viver presa ao laço da violência!

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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