É uma tarefa complexa demonstrar a vocês, prezados leitores, no reduzido espaço de um artigo jornalístico a urgente necessidade de reestruturação e modernização da segurança pública e os obstáculos políticos impostos pelos atuais gestores administrativos dessa mencionada atividade estatal, gerando uma “guerra interna” entre os cargos policiais.
Mas a população brasileira precisa, urgentemente, ser conscientizada sobre essa dramática situação funcional e a imprescindível mudança baseada na Ciência Policial. Torna-se necessário substituir o atual modelo arcaico e falido por um sistema moderno e eficiente de atividade policial. Vou lhes explicar com pontuações específicas que facilitem o entendimento sintetizando o extenso conteúdo teórico.
Em resumo, as origens históricas de nosso sistema criminal e sua precária evolução chegam aos dias atuais com arrojadas disputas por concentração do poder administrativo, vaidades pessoais exageradas e dissimuladas, fundamentadas no corporativismo egocêntrico alimentado pelas associações classistas dos gestores administrativos que não se importam com os limites do bom senso humanitário e, tampouco, com o profissionalismo e os interesses da sociedade brasileira.
Apenas querem manter e aumentar o poder, tentando conquistar a aberração institucional chamada “carreira jurídica e policial”, sem parâmetro nas democracias modernas. O STF afirmou, por decisão unânime em 05/09/2019 (ADI 5.520) que não existe equiparação entre atividade jurídica e policial. Portanto, policial não é jurista.
Esse desejo corporativo insensato alimenta severas brigas “interna corporis”, tendo de um lado aqueles que se autointitulam “juristas policiais” com a gestão administrativa nas mãos, perseguindo e praticando assédio moral contra os trabalhadores-policiais. Em contrapartida, os verdadeiros servidores policiais “vocacionados” visualizam a possibilidade de praticarem uma atividade policial eficiente, prestando um serviço público de qualidade à população. Mas encontram obstáculos políticos complicados inseridos na atual estrutura anacrônica e ineficiente de “comando” das corporações policiais.
Roberto Darós
Autor do artigo
"Os níveis de letalidade de policiais e criminosos e o dramático fenômeno dos 'suicídios' nas corporações policiais revelam o outro lado desse modelo policial falido"
Os atuais gestores insistem em dizer que “tudo está bem, faltando apenas mais recursos (viaturas, armas, computadores e efetivos)” para sanear a área de segurança pública. Mas esse discurso falacioso de manutenção e expansão do poder administrativo esfacela-se diante dos elevados índices de criminalidade (sempre acima de 50 mil homicídios e demais crimes violentos por ano).
Os níveis de letalidade de policiais e criminosos e o dramático fenômeno dos “suicídios” nas corporações policiais revelam o outro lado desse modelo policial falido. Enquanto isso, a sociedade brasileira sofre as dramáticas consequências da violência diária. Mas sigamos em frente nesse exercício de raciocínio reflexivo buscando o entendimento do problema originário.
CARREIRA ÚNICA
A diretriz científica apresentada como solução é o projeto da “carreira única” com entrada exclusiva pela base laboral e a implementação do “ciclo completo” da atividade policial que viabilizará também um novo instrumento de investigação criminal, delineando modernas técnicas operacionais para as corporações policiais brasileiras no sentido da busca pela eficiência, competência, celeridade, meritocracia na gestão da atividade policial e a imediata redução e controle da criminalidade.
Esse novo modelo de atividade policial visa a valorização dos operadores de Segurança Pública, dando-lhes autonomia técnica e científica, estimulando o profissional dessa área a progredir e atuar nos mais elevados postos de comando da corporação por intermédio da evolução técnica e meritocrática objetiva, como primeiro passo rumo à modernidade do sistema policial brasileiro.
É preciso utilizar-se da Ciência Policial para entender o fenômeno criminológico, tendo em vista ser o delito uma ação antijurídica que infringe preceitos da ética e se constitui em dois elementos básicos: a agressão social e a reação sancionatória.
Portanto, toda proposta que se fundamenta apenas no “expansionismo e populismo penal” (aumento de penas, redução da maioridade penal, armamentismo civil, relativização do conceito de legítima defesa, etc.) não surtirá o efeito desejado de redução da criminalidade, embora tenha uma impressionante ressonância social em que os cidadãos ficam repetindo o tempo todo sobre a necessidade de aumento do rigor punitivo estatal.
Mas trata-se de um cristalino atestado de desespero e angústia da população, porque é extremamente difícil sensibilizar os parlamentares para que tenham a coragem de iniciar as mudanças estruturais adotando um novo modelo de Segurança Pública, tendo em vista a trilogia de identificação científica da causa originária e cíclica da violência nesse ultrapassado sistema: o falido modelo de investigação criminal, as estruturas arcaicas das corporações policiais e o baixo índice de resolutividade dos crimes gerando a impunidade.
É preciso exercer a cidadania e valorizar os profissionais de todas as corporações policiais, dando-lhes apoio psicológico, social, médico, odontológico, jurídico, plano de carreira adequado e funcional, além de atribuir-lhes salários justos e dignos para o exercício de uma profissão que requer pessoas extremamente vocacionadas e avessas ao “exibicionismo” patético (estatal ou pessoal) que somente lhes expõem a vida à vingança pessoal dos criminosos, criando uma falsa ideia de que a carreira policial é glamourosa, tranquila e estável. Ao contrário, trata-se de uma honrosa e digna profissão que abrigam os verdadeiros “heróis anônimos” da sociedade brasileira.
O autor é advogado criminalista (OAB/ES); mestre em Direito Processual Penal (Ufes); professor de Ciências Penais e Segurança Pública (UVV); especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal na Coordenação de Altos Estudos em Segurança Pública da Escola Superior da Polícia Federal (ESP/ANP/PF)
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