Em 1899 entrou na sede do Instituto dos Advogados do Brasil uma jovem recém-formada querendo ingressar para o quadro de sócios efetivos que era, já à época, condição necessária para o exercício profissional da advocacia. Foi orientada a voltar para casa e cuidar do lar e da família. A jovem de certo argumentou que uma coisa não era impedimento para outra e, tempos depois, a Comissão de Justiça, Legislação e Jurisprudência da instituição pronunciou-se a seu favor. A moça saiu de lá cheia de esperança; mal sabia ela que só seria admitida sete anos depois, em 1906.
Myrthes Gomes de Campos foi a primeira mulher a exercer a advocacia no país. Quebrou um paradigma e entrou para a história, mas 115 anos depois do seu registro a Ordem do Advogados do Brasil não tem, em 27 presidentes das Seccionais, uma mulher exercendo o cargo mais alto da instituição. Se olharmos para os Conselheiros Federais, apenas 17 mulheres entre os 81 exercem esta função. Até 2019, as normas internas exigiam 30% de mulheres na composição da chapa eleitoral e no ano passado foi aprovada a paridade de gênero para as eleições da OAB previstas para acontecerem ainda este ano.
Se, por um lado, podemos considerar uma vitória, por outro pode não refletir de fato a representatividade necessária de um ambiente em que mulheres advogadas ocupem posições de destaque no cenário político da instituição. Isso porque pouquíssimas de nós conseguem ocupar, apesar da competência, os espaços de poder e liderança em seus estados, ainda que nós mulheres sejamos quem contribui com mais da metade dos recursos que sustentam a Instituição.
Às vezes choca, mas é preciso sempre relembrar para alguns o papel social da Ordem e a tradição de militância democrática que a OAB possui. É por isso que equilíbrio numérico, que também inclui 30% de negros e negras, deve servir como forma de mudança de um retrato da sociedade desigual e não pode jamais ser vista apenas uma composição para cumprir cota.
Falando agora em termos de posicionamento, instituições que não se adequarem verdadeiramente à Agenda 2030 da ONU, aos pilares de gestão ESG (práticas ambientais, sociais e de governança) e às mudanças que a própria sociedade exige, certamente vão ficar estagnadas no tempo e perderão importância e destaque social, o que não pode acontecer à Ordem dos Advogados do Brasil, diante de tanta luta por justo reconhecimento.
Com certeza o ano de 2021 entrará para a história da OAB, cabendo tanto às mulheres quanto aos negros valorizarem a força legal e a representatividade que possuem na formação das chapas e no exercício do voto. Que uma nós possa carregar e ampliar o legado da Dra. Myrthes.
* Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta
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