Neste 25 de outubro, Paulo Mendes da Rocha, um dos maiores arquitetos brasileiros, comemoraria 93 anos. O capixaba é autor de inúmeros projetos importantes, públicos e privados, no Brasil e no exterior, e recebeu quase todos os principais prêmios arquitetônicos mundiais. Entre seus projetos principais encontra-se o Cais das Artes, o único projeto do arquiteto construído no Espírito Santo.
Se por um lado a obra possui um inegável valor para a democratização e a valorização da cultura e das artes, por outro, sua relação com a paisagem tem sido frequentemente criticada. Que possíveis razões teriam levado Mendes da Rocha a projetar uma arquitetura praticamente opaca junto à baía de Vitória?
Numa tentativa de resposta a tais questões, propus um paralelo entre o Museu Cais das Artes e outros dois importantes museus brasileiros em suas relações com a paisagem: o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, obra de Affonso Eduardo Reidy, e o Museu de Arte de São Paulo, obra de Lina Bo Bardi.
O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e o Museu de Arte de São Paulo estão entre os primeiros museus modernos construídos no Brasil. Criados quase simultaneamente, em 1954 e 1957, as propostas apresentavam particularidades, mas convergiam na intenção de colaborar na construção de um país moderno. Embora em contextos urbanos diferenciados, as soluções arquitetônicas se assemelham, sobretudo no que se refere aos seus volumes – ambos os museus são caixas elevadas e transparentes.
Em 2010, cerca de seis décadas mais tarde, Mendes da Rocha, com a mesma reverência de seus antecessores à paisagem, suspende a arquitetura do solo, criando o Museu Cais das Artes. No projeto capixaba, no entanto, a transparência não é a tônica. O museu surge como um volume opaco com poucas aberturas. Teria sido Mendes da Rocha menos sensível aos apelos da bela paisagem do que Reidy e Lina?
O fato é que, a partir da década de 1960, novas questões museológicas impuseram uma série de ressalvas em relação aos cuidados com a preservação de obras expostas à luz natural, assim como explicitaram problemas resultantes da competição entre obra e paisagem no caso de museus concebidos em total transparência. É possível que as experiências do MAM e do MASP, seus acertos e falhas, tenham sido referências importantes na concepção do museu capixaba, e que a opção por um volume opaco para o Museu do Cais das Artes se justifique pela adequação às rígidas normas para conservação de acervos.
De todo modo, diante da bela paisagem, Mendes da Rocha eleva o museu, como fizeram Affonso Reidy e Lina Bo Bardi, mas não cria um museu transparente. O Museu Cais da Artes propõe um diálogo menos direto com a paisagem a partir de seu interior. A face que dá para a cidade, onde a luz e o calor do sol da tarde são mais intensos, é quase que inteiramente vedada. Na face voltada para o mar, o arquiteto cria três rampas-varandas externas que definem as vistas para a paisagem em diferentes níveis. Uma vez no interior do museu, a paisagem desaparece, reaparecendo na passagem de um andar para o outro, ao subirmos em direção ao piso superior, externamente.
Na realidade, todo arquiteto, ao projetar, leva em conta as possibilidades disponíveis em sua época. Aparentemente, a intenção de Mendes da Rocha ao criar um museu opaco foi preservar as obras de arte da luz natural e minimizar os conflitos resultantes da competição entre obras e paisagem, recorrentes em museus totalmente transparentes.
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Se tudo correr bem, em pouco tempo o Museu do Cais das Artes estará exposto à vida e certamente, em algumas décadas, surgirão novas tecnologias e demandas museográficas. Só o tempo e o uso dirão se a opção pelo volume opaco foi a mais adequada e se a arquitetura de Mendes da Rocha será capaz de adaptar-se a modificações ainda imprevisíveis.
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