Entre as funções clássicas de um diplomata, estão as de representar seu país e de informar seu governo sobre o que está ocorrendo naquele em que está acreditado. Os diplomatas estrangeiros que acolheram o convite do presidente Bolsonaro para o evento do dia 18 último, no Palácio do Planalto, cumpriam a obrigação de representar seus países. A questão é saber como executarão a função de informar suas capitais sobre o ocorrido.
Convites de um chefe de Estado para comparecer à sede do governo local são raros e solenes. Os assuntos tratados nessas ocasiões elevam-se automaticamente ao topo da agenda. Portanto, as dúvidas manifestadas pelo presidente Bolsonaro no evento do dia 18 último elevaram-se ao topo das agendas de todo o corpo diplomático sediado em Brasília e lá ficarão até, pelo menos, as eleições.
Alguns embaixadores poderão se sentir constrangidos ao transmitir denúncias sobre o trabalho do TSE, que foi aceito por eles e por todos os demais nas eleições anteriores, até com elogios à rapidez e segurança dos resultados da apuração. Elogiadas terão sido também a transparência e a eficiência demonstradas pelo Tribunal Superior Eleitoral nas várias reuniões de trabalho que vem promovendo, há tempos, com as embaixadas. Os analistas diplomáticos não deixarão de associar as denúncias de agora com as imprecações anteriores do presidente Bolsonaro contra juízes da Suprema Corte.
As análises diplomáticas sublinharão, com certeza, as coincidências entre o discurso e a prática de Bolsonaro e aquelas de Donald Trump. As atuais investigações do Comitê da Câmara de Deputados norte-americana sobre a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 jogam luz sobre as semelhanças.
Nesse contexto, alguns diplomatas poderão lembrar que o deputado Eduardo Bolsonaro encontrava-se em Washington naquele dia fatídico e foi identificado pelo advogado Seth Abramson, do site investigativo Proof, como um dos participantes de reunião do "conselho de guerra", havida na véspera, em que aliados de Trump prepararam o golpe frustrado.
É igualmente previsível que os embaixadores assinalem o surrealismo de ser o denunciador a um tempo presidente e candidato. Ora, na tradição brasileira, um candidato pode fazer o diabo para ganhar eleições. Já um presidente, ao invés de convocar o corpo diplomático para denunciar as instituições do seu próprio país, teria a obrigação de tomar as providências constitucionais, nos prazos regulamentares, para sanar defeitos porventura capazes de invalidar resultados eleitorais.
Como o nosso atual presidente limitou-se, ao longo do tempo, a falar sobre hipóteses jamais comprovadas e atacar os juízes que, esses sim, cuidaram de elucidar tecnicamente todas as suas objeções, a tendência dos analistas será a de alertar seus governos para a eventualidade de terem de reagir a um golpe de Estado no Brasil, caso Bolsonaro perca as eleições.
Não vejo como a reação mundial possa ser favorável. Como pano de fundo, temos que o Brasil é hoje em dia considerado um fator de equilíbrio, paz e democracia na América do Sul, flertes com o autoritarismo a esta altura não seriam bem recebidos. No plano sempre importante das personalidades, temos que, para Joe Biden, a simbiose entre Trump e Bolsonaro constitui um flanco adicional a um quadro já atribulado com a inflação interna e demais repercussões da guerra na Ucrânia.
Daí a contundente nota, dada a público nesta quarta-feira (19) mesmo, por intermédio da embaixada americana em Brasília, com elogios às urnas eletrônicas e contestação dos argumentos bolsonaristas.
O estilo de Xi Jinping é diferente, não se pode esperar um pronunciamento chinês, mas tampouco terá motivo para ajudar aquele que debochou das "vachinas"; assim, provavelmente ficará em cima do muro, aguardando o desenrolar da campanha com sorrisos de Mona Lisa. Na Europa, Macron não tem motivos pessoais para ser simpático a um presidente que insultou sua esposa. Ele e seus colegas da Inglaterra, Espanha e Portugal, todos às voltas com as maiores temperaturas do século, enquanto a Amazônia ostenta taxas recordes de desmatamento, não encontrarão motivos para solidariedade com um presidente sul-americano fora de sintonia com as prioridades da época.
Assim, o mais provável é que continuemos apenas com as parcerias de Viktor Orbán, que não nos acrescenta grande coisa, e de Vladimir Putin, que nas atuais circunstâncias equivale a um beijo da morte.
As perspectivas golpistas não são boas para as nossas relações internacionais. Vamos torcer pela democracia, que é nosso trunfo para melhorar a nossa combalida imagem internacional. Que vença quem tiver mais votos, sem teorias conspiratórias e sem mimimi.
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