Certa vez, um cavalheiro sofria um dilema: ou aceitava se converter ao cristianismo e ser salvo ou permaneceria com sua religião e seria morto por ser considerado um herético. O pobre cavalheiro ficou entre a cruz e a espada e, até hoje, não se soube da sua escolha.
O século era o XI e o movimento da época eram as Cruzadas, que foram expedições militares organizadas por católicos da Europa Ocidental, com o objetivo inicial de reconquistar para o mundo cristão lugares sagrados, como o Santo Sepulcro, em Jerusalém, na Palestina, bem como converter e conquistar novos adeptos.
No entanto, o objetivo religioso não era o único interesse dos organizadores, apesar de ser o argumento utilizado para fundamentar a ação. A Quarta Cruzada, ocorrida entre 1202 e 1204, por exemplo, foi comandada por comerciantes venezianos que conseguiram tomar a cidade de Constantinopla dos bizantinos, criando o Reino Latino de Constantinopla. Com essas medidas, os venezianos e genoveses, principalmente, passaram a controlar as rotas comerciais no Mediterrâneo.
Esse período da história foi banhado de muito sangue, mortes e despropósitos. Uma guerra disfarçada de peregrinação e penitência, na qual os "peregrinos penitentes” acreditavam que seus pecados seriam perdoados caso completassem a jornada e cumprissem a missão divina de libertar locais sagrados, como a Igreja do Santo Sepulcro.
O tempo passou e o século XXI nos trouxe uma nova Cruzada revestida em forma da busca pela vacinação. O mundo precisa ser vacinado contra a Covid-19, e a corrida pela cura da doença fez com que cientistas achassem fórmulas em menos de um ano.
No entanto, assim como nas Cruzadas, vacinar a população não é o único objetivo. Diante de tantas mortes, há a desconfiança de alguns que preferem esperar um milagre a tomarem a vacina, seja por convicções religiosas, seja medo dos efeitos colaterias. Há também a fome, o desemprego, o desespero, a privação de liberdade, o caos na economia, a guerra política, a desestabilidade emocional, entre outras ramificações da Covid-19.
O palco está armado e o sangue dos guerreiros da Covid-19 pode ser visto em plantões intermináveis, em profissionais da saúde com esgotamento físico e mental e em dirigentes cansados.
Enquanto isso, o vírus toma novas formas: uma hora aumenta, em outra estabiliza, mas não vai embora. Todos sofrem. Alguns em menor intensidade, outros em maior, mas o certo é que ninguém vai sair imune dessa guerra. As feridas já estão estampadas em perdas materiais, emocionais e pessoais.
O objetivo, então, não é apenas vacinar, mas sim ressignificar a vida e ter mais fé no amanhã. Somos parte de uma estatística que está sobrevivendo e lutando contra uma doença invisível. Uma pandemia interminável e devastadora que se renova a cada dia e nos traz novos obstáculos ao amanhecer. Somos homens, seres humanos, sensíveis e guerreiros. Entre a cruz e a espada, a saída é escolher a vida e lutar por ela, hoje e sempre. O caminho é incerto e longo, mas os brasileiros não vão desistir de vencer essa guerra.
A autora é jornalista
* Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta
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