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Novo coronavírus e mortalidade negra: sintomas de uma ausência

Historicamente, o racismo tem sido responsável pela exploração e empobrecimento dos negros. Mesmo com a divulgação de diversos estudos apontando a alta mortalidade dessa parcela da população, persiste a ausência de ações em muitos governos

  • Gustavo Forde
Publicado em 08/06/2020 às 10h05
Atualizado em 08/06/2020 às 12h39
Movimento Negro realizou protesto e reivindicaram lockdown e hospital de campanha na frente do Palácio Anchieta, Sede do Governo do ES
Protesto do Movimento Negro em frente do Palácio Anchieta, sede do governo do ES. Crédito: Fernando Madeira

Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou em 11 de março de 2020 a Covid-19 uma pandemia que apresenta quadro clínico que varia de infecções assintomáticas a sintomas respiratórios graves e, em resposta ao requerido pelo movimento negro capixaba, desde o mês de abril os dados divulgados no Painel Covid-19 do ES apresentam indicadores da categoria raça/cor.

Com base nos dados oficiais divulgados pelo Painel Covid-19 do ES, demonstramos que a população negra apresenta taxas de óbito gritantes em comparação aos demais grupos populacionais de raça/cor (veja aqui: https://bityli.com/covid19povonegrocapixaba). Entretanto, importante ressaltar que não há indícios científicos de predisposição a sintomas graves que levem ao óbito em decorrência da cor de pele, tal como ocorre com o melanoma nos brancos e com a anemia falciforme nos negros.

Qual seria, portanto, a razão dessa maior mortalidade entre os negros? Há dados que convergem para o fato de o racismo ser o principal responsável pela elevada taxa de letalidade entre as pessoas negras, uma vez que o racismo opera os modos como a sociedade organiza suas estruturas de poder e os modos como as instituições governamentais definem suas ações nas áreas de saúde, assistência, defesa social, trabalho, renda etc.

Historicamente, o racismo tem sido responsável pela exploração, desvalorização e empobrecimento dos negros no Brasil. Para superar essa problemática na atual pandemia, seria de esperar que os governos de Estado e municípios utilizassem a categoria raça/cor para definir suas ações de enfrentamento à Covid-19. Entretanto, mesmo com a divulgação dos dados raça/cor e a publicação de diversos estudos científicos demonstrando a alta mortalidade de negros, persiste a ausência de ações em muitos governos.

Essa ausência enunciaria um padrão de comportamentos de como são tratadas (ou silenciadas!) as causas de precarização da vida da população negra? Enunciaria uma política que historicamente e socialmente atribui menor valor social aos corpos negros e naturaliza o genocídio do negro brasileiro? Enunciaria o papel do racismo institucional e do racismo estrutural nos termos de uma necropolítica?

A situação é emblemática, pois não nos parece simples explicar o fato de muitos governos até o momento não executarem ações também focalizadas na ampla defesa da vida da população negra (maior vítima desta pandemia). Muitas perguntas emergem desta ausência, tão presente e amplamente conhecida. Outrossim, retornaremos à pergunta inicial: qual a razão da maior taxa de mortalidade pela Covid-19 entre os negros?

As pistas e os sinais disponíveis até o momento nos permitem responder que esta alta taxa de mortalidade enuncia um gravíssimo quadro sintomático decorrente do modus operandi de viés racista na institucionalização das desigualdades materiais e imateriais de vida entre brancos (os estabelecidos) e negros (os outsiders). O racismo também é uma política! Uma política que estabelece quem viverá e quem morrerá em tempos de pandemia.

O autor é doutor, pesquisador em relações étnico-raciais e professor da Ufes

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