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É doutor em Direito do Estado, professor do PPGD/FDV, pesquisador Produtividade CNPQ, procurador do Estado do Rio Grande do Sul

O álbum de retratos de um golpe anunciado

O primeiro retrato é de um completo estado de anomia quanto aos poderes públicos. As imagens são expressivas e explícitas quanto a isso

  • Jose Luis Bolzan de Morais É doutor em Direito do Estado, professor do PPGD/FDV, pesquisador Produtividade CNPQ, procurador do Estado do Rio Grande do Sul
Publicado em 11/01/2023 às 16h04

"O Ur-Fascismo ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis. Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: 'Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!'. Ai de mim, a vida não é fácil assim! O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas formas — a cada dia, em cada lugar do mundo. Cito ainda as palavras de Roosevelt: 'Ouso dizer que, se a democracia americana parasse de progredir como uma força viva, buscando dia e noite melhorar, por meios pacíficos, as condições de nossos cidadãos, a força do fascismo cresceria em nosso país' (4 de novembro de 1938). Liberdade, liberação são uma tarefa que não acaba nunca. Que seja este o nosso mote: 'Não esqueçam'. "(Umberto Eco, Fascismo Eterno)

Neste primeiro domingo (8) pós-posse do governo eleito, agora em exercício,  Brasília, literalmente às moscas – intencionalmente ou não, não sabemos -, assistiu, assim como o restante do Brasil e do mundo, não só a atos de um típico golpe de Estado (art. 359–M do CPB) tentado, expressões típicas de conivência e incompetência por parte das estruturas do Estado – em especial polícias e demais órgãos de segurança pública - e autoridades responsáveis.

Desde logo, é impensável que, no contexto da crise democrática experimentada nos últimos anos, bem como das circunstâncias presentes ao longo do processo eleitoral de 2022 e do pós-eleições, nos meses de novembro e dezembro, Brasília, em especial a Esplanada dos Ministérios, tenha ficado desprotegida, sem um sistema de segurança compatível com os riscos, reais e iminentes, que estavam (estão) presentes.

Ou seja, o primeiro retrato desse “golpe anunciado” é de um completo estado de anomia quanto aos poderes públicos. As imagens são expressivas e explícitas quanto a isso. Turbas de manifestantes golpistas, que já haviam demonstrado seus objetivos, excluídos do abrigo constitucional da liberdade de manifestação, avançaram pela avenida e invadiram os prédios símbolos dos poderes da República sem quaisquer atos de contenção pelas forças da ordem.

Ao contrário, pareceu que os responsáveis pelo sistema de segurança pública do Distrito Federal, em especial, deixaram que o caos se instalasse com a depredação dos palácios e do patrimônio público. Após, com a retomada paulatina do espaço público, resultando na recuperação das estruturas de Estado, passando-se a ter a dimensão da escalada antidemocrática.

Bolsonaristas invadem prédios dos Três Poderes em Brasília, neste domingo (8)
Bolsonaristas invadem prédios dos Três Poderes em Brasília, neste domingo (8). Crédito: Matheus W Alves/ Futura Press/ Folhapress

Para além disso, outros retratos podem ser recuperados na história recente da República.

O que se viu nos últimos anos foi uma tensão permanente entre os poderes, em particular entre o Executivo e o Jurisdicional. A Presidência da República instou a ruptura da ordem constitucional ao longo do mandato presidencial, sem uma efetiva contestação pelos demais poderes. Aqui, talvez o retrato mais forte tenha sido aquele do 7 de setembro de 2021, para além daqueles outros de contestação da atuação do Sistema de Justiça, em especial do Supremo Tribunal Federal – mesmo que se possa ter algumas reticências quanto à forma desta atuação, em termos de limites.

Neste grande retrato, o Legislativo pouco fez, mantendo uma maioria parlamentar que deixou o mandatário federal imune a eventuais possibilidades de responsabilização, em especial por meio do processo constitucional de impeachment.

Neste último ano, instaurado o processo eleitoral, e mesmo antes disso, o jogo democrático foi permanentemente deslegitimado, assim como atacado por meio das novas mídias sociais, em particular, articulando discursos de ódio, apologia à ditadura e práticas fascistas. O retrato do processo eleitoral de 2022 foi, então, o de eleições demarcadas pelo risco permanente, tendo o Tribunal Superior Eleitoral sido colocado no centro do jogo, não apenas como juiz do processo (eleitoral) mas, também, como garantidor da própria democracia, muitas vezes assumindo alguns riscos de ultrapassar limites peculiares à atividade jurisdicional.

A marca das eleições de 2022, como já ocorrido em 2018, foi o uso massivo da desinformação como estratégia política, fragilizando ainda mais o jogo democrático, expondo mais um retrato do golpe anunciado.

Outros tantos retratos poderiam ser aqui expostos, desenhados.

De qualquer modo, esses são suficientes para expor os riscos à democracia que corremos e ainda precisaremos combater. O golpe anunciado não teve êxito, mas o “ur-fascismo” está posto, exigindo respostas eficazes do Estado de Direito e respaldo de todos os democratas do país.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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