O déficit habitacional brasileiro continua sendo uma das marcas da profunda desigualdade de renda e riqueza em nosso país. Os dados produzidos há décadas pela Fundação João Pinheiro mostram como evoluiu a vergonhosa situação nacional ao longo dos anos e revelam que, atualmente, nosso país ainda tem uma deficiência de 6,2 milhões de domicílios.
Além disso, cerca de 24,8 milhões são classificados com algum tipo de inadequação. Essa realidade atinge principalmente as famílias mais pobres, com renda de até R$2.640,00.
A deficiência habitacional para as populações carentes não é um fato isolado. Ela está associada à ausência de infraestrutura básica urbana e rural e cobre todo o território nacional, em diferentes proporções.
As barreiras para eliminar essa incômoda situação são de diferentes ordens. De um lado, há uma especulação fundiária e imobiliária que se retroalimenta de uma atuação institucional leniente para colocar em prática os normativos do Estatuto da Cidade. Tal denominação foi dada à Lei 10.257/2001 que estabeleceu “as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana”.
O teor legal aprovado depois de mais de uma década em tramitação visava disciplinar os princípios dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal. O seu objetivo era o de que as políticas urbanas passassem a ser instrumentos do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Por outro lado, as políticas públicas desenhadas desde a nova Constituição foram limitadas para romper o sofrível quadro social e urbano consolidado ao longo dos anos. Predominaram medidas acanhadas, com recursos orçamentários limitados e submissos a princípios de gestão monetária ultra liberal e ultrapassada. As principais fontes de financiamento foram os recursos da poupança e os do FGTS.
O grande divisor de águas desta realidade foi a criação em 2009 do programa Minha Casa Minha Vida. Da data de sua criação até final de 2015 o MCMV contratou a construção de 4,0 milhões de moradias populares e deste total foram entregues mais de 2,4 milhões de novas unidades habitacionais.
Em 2016 havia várias centenas de canteiros de obras com milhares de unidades em construção que foram retardadas ou interrompidas. Em meados de 2023 ainda se contabilizava um total de 183 mil unidades habitacionais inconclusas.
De 2019 até 2022 pouco se fez em termos efetivos para enfrentar a carência habitacional para a população de baixa renda. O Programa Casa Verde e Amarela foi criado por intermédio da Lei 14.118/21 e visava flexibilizar o financiamento habitacional para os segmentos sociais mais carentes. Ele foi tocado apenas pela Caixa Econômica Federal. A sua entrega foi restrita. Os números oficiais difundidos no final de 2022 davam conta que, naquele ano, ápice do programa, as liberações de recursos atingiram R$ 48,3 bilhões de crédito, montante muito inferior aos números alcançados anteriormente.
Em meados de 2023 o MCMV foi relançado por intermédio da Lei 14.620, de 13 de julho daquele ano. Desde então, foram retomados os projetos de construção com maiores subsídios para as famílias com menor renda e foram liberados os financiamentos com recursos do FGTS e da poupança.
No lançamento do novo MCMV o presidente Lula ressaltou a necessidade de se atender famílias com renda de até R$ 12 mil mensais. Nesta nova etapa do MCMV os beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas) ficaram isentos do pagamento das prestações, o que mostra a opção preferencial em favorecer os mais pobres.
O novo programa do MCMV trouxe uma inovação relevante. Agora, a aprovação de um empreendimento requer que ele esteja associado a toda infraestrutura urbana. O agente financiador do governo federal tem de atuar em plena sintonia com os governos municipais. O entrosamento das ações também envolve governos estaduais, quando se tem por parte destes um apoio adicional ao programa. Esse é o caso do Espírito Santo. E se há na área selecionada equipamentos urbanos da área de educação, saúde e segurança pública tem-se um adicional no valor do repasse de subsídio.
Os dados disponíveis em balanço mostram a evolução dos recursos financeiros alocados no conjunto da política habitacional pela CEF. Em 2022, esse total foi de R$ 161,71 bilhões. Em 2023 chegou-se a R$ 185,06 bilhões e no corrente ano, até outubro, o total dispendido em financiamentos nas diferentes modalidades foi de R$ 200,67 bilhões.
Tais números são relevantes, mas ainda insuficientes para atender milhões de famílias que não possuem uma habitação em condições dignas e também para atender às necessidades das famílias de rendas médias. Há uma restrição orçamentária incômoda. A elevada taxa básica de juros é o principal inibidor da expansão da política habitacional e de avanços na infraestrutura urbana.
Essa restrição financeira foi o determinante para as recentes alterações de critérios de financiamento habitacional, reduzindo montantes e limites de utilização.
Os fundamentos do MCMV e a sua implantação estão assentados nos princípios programáticos do governo Lula. Como tal, o programa deve ser constantemente avaliado e as críticas, com sugestões, ou não, precisam ser absorvidas. O que não é possível compreender e muito menos aceitar são ataques vazios, formados apenas por parágrafos irradiantes de preconceitos ideológicos.
É isso o que percebemos no artigo “A Caixa sem caixa: os impactos da gestão deficiente no setor habitacional”. A limitação de recursos financeiros para conceder ainda mais créditos para a habitação não deriva de uma genérica deficiência administrativa cantada em prosa e verso pelo autor. Aliás, apregoa-se uma incompetência de gestão não apenas do banco público, mas de todo governo. Assim sendo, ele é um texto vazio, de nenhuma utilidade.
Há uma demanda enorme para financiamento imobiliário no país. Havia uma carência que estava represada e há uma limitação real de recursos devido à política monetária traçada pelo Banco Central. Esses fatos estão ausentes do texto do Sr. Rizzatto. O debate em torno das políticas públicas é saudável e a mídia tem um valor imprescindível no papel de difundir os fatos e as opiniões variadas em torno deles.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
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