O debate sobre o impeachment volta à tona no dia a dia brasileiro. Parece até que a República, ainda não concretizada por estas terras mesmo após a redemocratização, padece da recorrência do mesmo. Collor, Dilma e, agora, Bolsonaro. Os dois primeiros “defenestrados” do cargo, por motivações diversas, e o último sujeito a cerca de 60 pedidos protocolados por diferentes autores junto ao Parlamento federal.
A cena grotesca experimentada na política nacional após a eleição de 2018 resvala mais uma vez para a resposta do impedimento do presidente da República, tanto pelas práticas que afrontam o desenho institucional da democracia constitucional, quanto pela trágica ingerência sanitária que importa na morte de milhares de nacionais de todas as idades, classes sociais – embora os mais carentes sejam as vítimas prioritárias – e credos, inclusive aqueles que negam a própria doença ou os métodos científicos de seu enfrentamento.
Remédio constitucionalmente previsto, o impeachment faz parte da própria institucionalidade, compondo o desenho do Estado de Direito escrito pelo Constituinte de 1987/1988.
No momento, chama a atenção o debate sobre eventual inviabilidade do processo, por ausência de suporte político. Dito de outra forma, lhe faltariam bases popular – com manifestações, por exemplo – e parlamentar capazes de fortalecer a iniciativa. Da mesma maneira, há quem defenda faltar consenso de outros atores socioeconômicos.
Por óbvio, as circunstâncias políticas são importantes ao rito do impedimento presidencial. Contudo, para o bem ou para o mal, o atual chefe do Executivo foi eleito popularmente, mesmo considerando-se ainda pairarem dúvidas sobre eventual sabotagem de candidaturas ao pleito de 2018.
Mas não se pode perder de vista que o impeachment é, antes de tudo, um procedimento formal, previsto, como dito antes, em sede constitucional. Portanto, ele é dotado da autonomia própria ao Direito, o que o descola desses elementos não jurídicos, trazidos como impeditivos para a sua inauguração.
Sendo assim, o debate sugere que sofremos da “síndrome da esfinge”, como se nosso impeachment tivesse várias cabeças. De um lado, não consegue se implementar, por ausência de suporte parlamentar-popular, vinculando o direito à política. De outro, explicita a fragilidade do Direito e das instituições de garantia – em particular a jurisdição e o Ministério Público –, que devem zelar pelo cumprimento das leis.
No caso da presidente Dilma, teve-se um impeachment que, pelo que se descortinou historicamente, descumpriu as formalidades da lei em nome de uma aparência de legitimação popular.
Agora, para o caso do presidente Bolsonaro, não conseguem lhe impor o impedimento por consequência de estarem preenchidos seus requisitos legais, exatamente pela dita escassa base popular e política.
Em ambos, ao que parece, quem perde é o Direito, o Estado de Direito.
José Luis Bolzan de Morais é doutor em Direito do Estado, professor dos cursos de mestrado e doutorado da FDV e procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Leonardo Gustavo Pastore Dyna é mestrando em direito, procurador do Estado do Espírito Santo e presidente da Associação dos Procuradores do Estado
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