O Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) vai completar 17 anos no dia 22 de dezembro. Mas foi submetido a “referendum” em 23 de outubro de 2005, e hoje, 15 anos depois, deve ser analisado criticamente, no contexto da sociedade brasileira enfrentando os graves problemas da crise sanitária da Covid-19, trazendo ainda muita preocupação diante dos elevados índices de criminalidade que, após decréscimo no ano de 2019, voltaram a subir drasticamente neste ano de 2020.
Mas o aumento no número de homicídios é decorrente de vários fatores correlacionados como, por exemplo, a estrutura arcaica do modelo de segurança pública que é remanescente do período colonial (1808) e até hoje segue com a mesma forma de gestão da atividade policial preventiva deficitária, patrulhamento ostensivo precário e investigação criminal ineficiente com o inquérito policial (1871) que apresenta apenas 8% de resolutividade dos crimes, demandando 5% de denúncias pelo MP (autoria e materialidade) e apenas 2% de condenação pela justiça criminal.
O atual governo federal, desde o período de campanha eleitoral, tem incentivado o acesso à posse de armas de fogo, flexibilizando normas complementares e estimulando a população à aquisição de armas, o que faz o mercado legal de armas de fogo se expandir cada vez mais, em recordes de vendas. Isso afeta diretamente a área da segurança pública com o aumento imediato dos índices de crimes violentos (homicídios, latrocínios, etc.).
Por mais que se queira divulgar a ideia sofismática de que “as armas servem para proteção dos cidadãos de bem em sua legítima defesa e mantêm a sociedade livre da violência”, argumentando ser essa uma excelente política de segurança pública, a realidade fática é outra e as estatísticas fundamentadas em dados científicos provam que esse referido mercado legal de armas de fogo (desviadas ou roubadas) alimentam a criminalidade, e o mercado ilegal fundamenta-se como o principal fornecedor das facções criminosas e quadrilhas, tendo em vista a fracassada política de segurança pública que não consegue controlar a entrada de armas ilegais pelas fronteiras (terrestre, marítima e aérea).
A constatação fática comparativa é clara: mais veículos nas ruas sem melhoria na estrutura viária significa aumento no número de acidentes; mais aglomerações de pessoas sem restrições sanitárias significam maiores índices de pessoas doentes; mais armas de fogo (legais e ilegais) na sociedade civil, sob a posse de cidadãos e criminosos, maior o índice de homicídios, conforme se comprovam nas estatísticas.
A análise científica, sem paixões e fanatismos políticos, mostra que o Brasil é um país fabricante de armas de fogo, com destaque na indústria bélica mundial, mas que sofre diretamente os efeitos da criminalidade, apresentando alarmantes índices de violência urbana, sempre acima de 50 mil homicídios por ano.
Entender e aceitar essa relação entre o mercado legal e ilegal de armas é imprescindível para se chegar à conclusão científica de que incentivar a aquisição e posse de armas de fogo pelo cidadão de bem não é uma política pública eficiente e aceitável no controle da violência urbana e pacificação da sociedade brasileira.
O controle de armas de fogo feito pelo governo através da Polícia Federal aos cidadãos civis com o SINARM e aos colecionadores, instrutores e caçadores pelo Exército não é suficiente para barrarem o fomento da clandestinidade de armas e munições, diante da péssima atuação policial fronteiriça e patrulhamento fiscalizatório nas vias públicas das cidades médias e grandes metrópoles.
As mudanças legislativas de flexibilização na aquisição e posse de armas de fogo incrementam o fluxo e a circulação de armas de fogo. Essa disseminação das armas pela sociedade fragiliza a precária atividade policial preventiva de patrulhamento, aumentando as ocorrências de ato criminosos e elevando o percentual de homicídios cometidos. O mercado legal de armas abastece o mercado ilegal de armas. A demanda por armas de fogo tem aumentado muito, e o número de pessoas circulando armadas pelas ruas é cada vez maior, com severas consequências na área de segurança pública, que necessita urgentemente de ações preventivas e repressivas.
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O autor é advogado criminalista (OAB/ES). Mestre em Direito Processual Penal (Ufes). Professor de Ciências Penais e Segurança Pública (UVV).
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